A TROPA DE ELITE NA TERRA DA UPP



Nesse momento pela 28647365857° vez acabei de ver o filme “Tropa de Elite” pelo canal a cabo MegaPix e daqui a pouco no mesmo canal verei pela 76757769° vez Tropa de Elite 2 pelo mesmo canal. Sendo que esse ano passará na Globo(o filme passaria hoje e isso motivou o texto, não sei porque mudaram).

Falar o que desses dois filmes?  Se for levar pelo lado da galhofa poderíamos dizer que são a “Lagoa azul” do novo milênio. Filme que as pessoas sempre brincam por tanto ter passado na TV. Aliás, o curioso disse tudo é que com a era da tv a cabo esses filmes já foram tão vistos e o 2 será passado pela primeira vez em tv aberta sendo tratado como inédito.

Mas esses filmes são muito mais que isso.

Tropa de Elite 1 e 2 já entraram pra história do cinema nacional. Aliás, o 1 já entrara antes mesmo de ser lançado com o vazamento pra pirataria. Pra mim isso foi trabalho de marketing, deixaram vazar pra ganhar os noticiários e o filme passou de mão em mão, impressionando quem assistia e garantindo o sucesso.

O 2 não precisou disso. Já veio ancorado no enorme sucesso do primeiro e conseguiu se tornar o filme nacional mais visto da história.

E fica a pergunta. Por quê esses filmes fizeram e fazem tanto sucesso?

Primeiro porque os dois falam de nossa realidade. O primeiro tem provavelmente os diálogos mais sensacionais da história do cinema nacional. Vários bordões foram criados e ganharam as ruas como “07 passa a 12”, “pede pra sair”, “ninguém vai subir”, “faca na caveira” “Você é um fanfarrão 02”, “bota na conta do papa” entre outros.

Além disso, mostrava aquilo que a população amedrontada queria ver. Policiais “esculachando” bandidos, matando, torturando, um filme contra as drogas que o púbico vibra com policial batendo em maconheiro. O filme que é testosterona pura, uma grande explosão vinga uma população cansada de ter medo.

O segundo já é mais cerebral. Tem uma história que nos tira a respiração porque sabemos que ali está o dia a dia de nossa cidade. Quem conhece um pouco de Rio de Janeiro identifica cada pedaço do filme, sabe em qual caso verdadeiro foi baseada cada situação contada ali na ficção. Vê a jornalista morta e lembra da jornalista do Dia, vê a rebelião comandada por Seu Jorge e lembra da de Uê em 2002, vê o Fortunato dançando e lembra da "dança do capiroto" de um famoso apresentador policial, vê o governador corrupto e se assusta vendo de forma nítida alguns dos que comandaram nosso estado.

Isso incomoda, como incomoda.

Tropa de Elite é baseada em “Elite da tropa”, livro de 2006 dos policiais do BOPE André Batista e Rodrigo Pimentel junto com o antropólogo Luiz Eduardo Soares. O livro impressiona porque foi a primeira vez que o treinamento e a vida dos policiais do BOPE são expostos e muito do submundo da cidade chega ao conhecimento da população.

Assim como no filme o livro teve seqüência. O Elite da tropa 2 com os mesmos três autores mais Cláudio Ferraz. Abaixo um trecho o livro.

"(...) minha vida tem sido investigar e liquidar o crime organizado sob a face mais cruel: as milícias. Dito assim soa bem? Acho que sim, mas não cauteriza nem preenche o buraco imenso em minha vida pessoal que o destino cavou. Com o anjo da morte na cadeia, mais um passo vai ser dado no rumo certo. Tudo bem. Contudo, outras milícias brotarão Rio afora, hoje, amanhã. A fonte continua ativa. As polícias estão aí, entregues à própria sorte e a um ou outro corregedor destemido, nadando contra a corrente. O esforço, meu, do Fausto, de Aluízio, Marquinho e Tonico, de nossa tribo, vai dar em que lugar? O esforço é generoso, concordo. Mas vai mudar o quê? De que adianta correr atrás do leite derramado, apagar incêndio, reduzir os danos de uma tragédia maior do que nós?"

E com o livro, com os filmes vemos como somos vulneráveis e nem sabemos em quem confiar.

Que nossa polícia é corrupta todo mundo sabe. Que nossos políticos são coniventes e ganham muitas vezes com isso também. Mas tem coisas que nossa cidade partida ainda surpreende.

Sabiam que ainda existe tráfico de drogas nos morros que tem UPP? Pois é. O estado alega que é impossível acabar com o tráfico de drogas no mundo e a função da UPP é recuperar território, não acabar com as drogas.

Vocês sabiam que milícia vende comunidades que domina para traficantes? Pois é, essa descobri semana passada com a venda de um morro aqui da Ilha.

A milícia que por sinal era até defendida por muitos políticos, governantes. A prática da milícia é simples. Eles não vendem drogas, mas tudo na comunidade tem a taxa deles. Desde venda de gás, lan house, até gatonet. É a taxa da proteção. O curioso é que a proteção paga é pra proteger deles mesmos.

A UPP vem sendo bem sucedida no ponto em que os morros dominados por elas melhoraram. As pessoas têm maior sensação de segurança, recuperaram o direito constitucional de ir e vir. Algumas situações vêm ocorrendo nessas como tiroteios e abuso do poder policial o que mostra que apesar de ser bem sucedida na recuperação do espaço tem problema.

Mas não é o único problema. As ações para tomada dos morros são avisadas com antecedência o que permite que os traficantes fujam. O governo alega que assim evita carnificina e morte de inocentes.

Só que tem uma coisa. Se você tem ratos em casa tem que botar veneno para acabar com a praga, se der vassourada pra afugentar  apenas vão para outro cômodo. Esses traficantes saíram dos morros ocupados por UPPs, mas se espalharam por outros bairros do Rio e cidades próximas. A violência não diminuiu, apenas mudou de lugar.

Fora que eu não vi ainda uma UPP ser instalada em comunidade comandada por milícia. É estranho isso, como também é estranho que quase todas as UPPs são em morros que eram dominados por uma facção específica e existem três. Por quê o Dendê, por exemplo, que é um dos maiores morros da cidade e onde o tráfico ganha muito dinheiro não tem UPP?

O que quer de verdade com UPP o governo? Recuperar território ou pegar os morros mais famosos passando sensação de segurança, garantindo mídia e votos?

A sensação de segurança que temos depende muito da mídia. Na época do Brizola a sensação que tínhamos era a de viver no Iraque. Até arrastão tinha hora marcada e com cobertura da Globo. Agora parece que a mídia está a favor e passa a impressão que as coisas melhoraram.

Mas não sei se melhorou até porque nunca saberemos o quão ruim esteve e pior, não sabemos quem é o mocinho e o bandido desse filme, em quem confiar.

O Capitão Nascimento de hoje pode ser o Coronel Fábio de amanhã como já provou o ex-chefe da polícia civil Álvaro Lins que hoje é um condenado.

Num mundo de Fragas e Freixos, Fabios, Rochas e Álvaros, Garotinhos, Baianos e Guaracis onde o "saco" pode dar a diferença entre verdade e mentira só nos resta rezar e nosso santo não tenha se vendido. 

E talvez vendo todas essas pessoas comprando e vendendo dignidade em um momento de crise de consciência se lembre da cervejinha que já deu a um guarda, do produto pirata que comprou, do estacionamento em local proibido, gatos, jeitinhos e aceite a cruel realidade que o policial corrupto e o político que se vende fazem parte de uma sociedade que também é corrupta e se vende. Espelho da sociedade, engrenagem de um sistema.

E o sistema é foda parceiro.























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