ELES, EU E MINHA AVÓ


Quando as coisas ficam calmas por aqui eu gosto de ir ao youtube ver alguns vídeos antigos, principalmente que marcaram a minha infância.
E um dia desses acabei vendo Cauby Peixoto. Desde pequeno procurava uma música na voz dele e não encontrava. Era a versão em português da música “I loved you” que postei aqui semana passada na crônica “ A carta”. Finalmente encontrei a música.
Confesso que o tempo romanceia algumas coisas. A letra não era tão boa quanto eu pensava, confesso mais ainda, tenho uma versão melhor que a que ele canta. Mas que voz!!
Inebriado pela voz de Cauby decidi tirar a noite para lhe ouvir cantando. Fui logo na música que eu mais gosto em sua voz.
Pensaram em Conceição né? Pois é, a maioria pensa nela, mas não é. Procurei por “Bastidores”.
Bastidores, composta por Chico Buarque, é aquela que diz “Cantei, cantei, jamais cantei tão lindo assim”. Eu, quase todo mundo, sempre achei que essa música fora composta por Chico para ele. Mas o Chico desmente essa versão em um livro biográfico. Diz que não pensou em ninguém e a primeira intérprete dessa canção foi sua irmã Miúcha. Completa dizendo que foi Cauby que espalhou erradamente essa versão que a canção foi feita para ele.
Na boa? Se eu fosse o Chico bancava a versão do Cauby porque é linda a história dele ter feito a música para o cantor e a música é a cara dele.   
Graças a Deus tive uma infância rica culturalmente. Ouvia Balão Mágico, Trem da Alegria, Xuxa sim como todas as crianças dos anos oitenta.
Mas não ouvia apenas esses. Ouvia Agnaldo Timóteo, Ângela Maria, Nelson Gonçalves, Julio Iglesias e ele. Um dos maiores cantores da história desse planeta, ouvia Cauby Peixoto!!
Confesso, mais uma confissão, ouvia e odiava. Porque eu era acordado com essas músicas no fim de semana por minha avó que colocava a vitrola nas alturas e cantarolava junto. Eu já decorara “Bastidores”, “Tango para Tereza”, “A volta do boêmio”, “Verdes campos da minha terra”, “Manuela”. Já acordava de mau humor. Descia, olhava pela janela e via vizinhos embevecidos sentados na calçada ouvindo os discos da minha avó. Só eu não gostava.
Que idiota eu era.
Ok. Posso estar pegando pesado comigo a me chamar de idiota, afinal, eu era criança, mas uma criança idiota e que graças a essas músicas que odiava agora pode escrever pra três blogs diferentes mais de cinco textos por semana e chegou a quase cem sambas de enredo compostos.
Porque enquanto aquelas melodias e letras sacais para uma criança de oito anos de idade entravam em meu ouvido eu adquiria cultura. Cultura que me fez aprender a ouvir, a ler e por conseqüência aprender a escrever.
Cauby está cravado na minha vida para sempre. Acredito que seu show no aeroporto do Galeão no início dos anos 80 tenha sido o primeiro que fui na minha vida.
Lembro até hoje dele com cabelo bem diferente das perucas de hoje. Um cabelinho ruim, bigodinho safado abrindo a boca e soltando aquela voz maravilhosa e sempre me vem a mente cantando Bastidores.
Ele com microfone na mão, lenço branco na outra cantando “Com muitos brilhos me vesti, depois me pintei, me pintei, me pintei”.
Cresci ouvindo isso, vi a vivo, vi minha avó tirando foto com ele depois do show. Agora me imaginem achando no youtube o Cauby com esse visual cantando Bastidores trinta anos depois?
Foi difícil segurar as lágrimas.

Voltei a minha infância, aos verdes campos da minha terra. Trinta anos depois, por conta própria ouvi no youtube todas aquelas músicas que era forçado a ouvir quando criança.    
Ouvi a grande dama Ângela Maria, graças a Deus ainda viva, falando que a luz do cabaré já se apagou nela. Agnaldo Timóteo antes de virar essa figura polêmica da política cantando com uma voz fenomenal sobre um dia voltar a sua terra. Nelson Gonçalves que era gago!! Era gago e conseguia cantar com aquela voz maravilhosa!!
Um sobrevivente. Um homem que passou por agruras por causa das drogas, mas deu a volta por cima, recuperou sua carreira, no bom sentido, morrendo respeitado e querido.
E ouvir Julio Iglesias me fez sentir cheiro de café da manhã. Fez-me lembrar de mim sentado de manhã na mesa da copa de casa com pão, manteiga e café com leite comendo enquanto minha avó ouvia o cantor espanhol.
Ter Julio Iglesias na vitrola significava que o namorado de minha avó, um ex-jogador do América e funcionário da Caixa Econômica chamado Ventania iria visitá-la.
A casa ficava um “brinco”, o café da manhã farto lhe esperando e Julio Iglesias cantando “Manoela”.
Ele chegava, me dava um abraço, tomava o café da manhã, bebia campary com ela e os dois subiam para conversar. Eu ingênuo achava que realmente era pra conversar e assim "Manuela" começava a tocar no quarto de minha avó.

Senti muitas saudades ouvindo e vendo esses grandes artistas. Especialmente o Cauby. Senti emoção e alegria lhe vendo no auge cantando “Conceição” com Roberto Carlos na Lapa em 1981 para um especial de fim de ano do rei.
Senti emoção e tristeza lhe vendo sentado e sem mais a grande voz cantando Bastidores no seu dvd comemorativo dos 80 anos de idade com Fafá de Belém.
Tristeza não por ele, tristeza por mim, muita.
Cauby teve a vida que quis, foi o que quis. Grande cantor, diva, não importa o que se denomine. Foi um dos grandes artistas desse país e quando se for vai com a missão totalmente tranquila.
Mas ele é uma das referências da minha vida e nele enxergo minha avó. Vendo-lhe velhinho, doente lembro que minha avó, outrora ativa, freqüentadora de teatros, cinemas, viajante, também está velhinha e hoje mora em Curitiba numa clínica para idosos.
A vida é muito cruel. A gente não podia acabar dessa forma.
Minha avó é uma das últimas referências de minha infância e com ela velhinha, beirando os oitenta anos e sabendo que daqui a pouco ela parte uma enorme parte de mim vai junto. Para tudo éramos ela, eu e minha mãe. Minha mãe já partiu..
..Mas ela ainda está aqui e nos falamos quase todas as semanas. Na noite que escrevi esse texto falei com ela por telefone e animados conversamos sobre o Cauby. Disse que tinha lhe visto no youtube, todas essas histórias que contei pra vocês e ela feliz lembrou do show que fomos. 
Não conseguirei realizar algo que sempre quis. Contratar o Cauby para um aniversário dela, mas fiz nova promessa e essa vou cumprir. Vou comprar o dvd dos 80 anos dele e mandar para ela em Curitiba.
Só posso agradecer a minha avó e a esses artistas que eu odiava quando pequeno por ser quem sou hoje. Vou levá-los para sempre em meu coração. Cauby, Agnaldo, Julio, Ângela, Nelson e tantos outros que viraram personagens da minha vida, personagens de mim.

Chorei, chorei, até ficar com dó de mim.

 *Dedicado a minha avó Lieida Villar


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