QUANDO UMA CELEBRIDADE MORRE




Já tinha um texto pronto para entrar hoje, mas acabamos de saber do suicídio do músico Champignon que pertencia a banda Charlie Brown Jr e com a morte de seu parceiro, o vocalista Chorão, montou uma chamada “A banca”.

Se matou com um tiro na boca, em casa e com a esposa no local. Complicado pensar o que leva alguém a fazer isso e choca ainda mais quando é com uma celebridade, uma pessoa que tem fãs que com certeza vão acordar e se desesperar com essa notícia.

Quando uma celebridade morre sempre mexe com a gente porque vemos essas pessoas como especiais, como se fizessem parte de nossas famílias, vidas e no dia 11 de dezembro de 2011 publiquei no blog Ouro de Tolo um texto sobre o assunto na ocasião da morte do Dr Sócrates.

E  aproveitando esse triste assunto que volta a tona com o Champignon reproduzo aqui.  Amanhã entra o texto que seria o de hoje.

Quando Uma Celebridade Morre


Uma das poucas certezas que temos na vida é que no fim do ano terá especial do Roberto Carlos de Natal na Globo e que iremos morrer. A não ser que você se chame Keith Richards ou João Havelange...

A todo momento somos confrontados pela morte: de quem amamos, de conhecidos e algumas vezes o passamento de alguém famoso. Este caso é muito curioso porque nos faz lamentar, algumas vezes ficar tristes, pela morte de uma pessoa que não conhecemos e ela partiu dessa vida sem sequer saber de nossa existência.

A “morte da vez” é de uma pessoa muito querida pelos brasileiros. O Sócrates, Dr. Sócrates para os brasileiros que sempre gozaram de sua intimidade. Um grande jogador de futebol que passou pelo Botafogo de Ribeirão Preto, Fiorentina, Santos, mas que se consagrou no Corinthians e tive a honra de vê-lo jogar no Flamengo. Pela seleção brasileira foi capitão daquela que dizem ser um dos maiores times de futebol da história. A seleção brasileira da copa de 1982.

Eu tinha cinco anos e lembro muito pouco desse time. Lembro de todos reunidos na rua para assistir, os fogos e as comemorações
pelas vitórias. 

Minha avó pegava o carro e íamos todos num buzinaço até Copacabana. Eu torcia contra a seleção porque odiava fogos (domingo passado vendo Flamengo x Vasco e o foguetório que rolava perguntei pra minha filha de dois anos concentrada vendo desenho na tv se ela não tinha medo de fogos e ela me respondeu que não, me senti humilhado) e como tivera um acidente de carro com minha avó meses antes também tinha medo daquelas saídas com buzinaço. Então senti um alívio quando o Brasil perdeu pra Itália, mesmo vendo a tristeza e choro de todos.

Sócrates representava não só aquela seleção, mas um tipo de jogador de futebol diferente. O estudado, o intelectualizado, o politizado. Enquanto jogava pelo Botafogo paulista se formou médico. É autor de músicas e peças de teatro e ousou falar em democracia quando o Brasil vivia uma ditadura. Foi um dos líderes da democracia corintiana, uma democracia que surgiu primeiro que a do próprio país. Um sistema em que tudo era votado pelos jogadores, desde escolha de técnicos até se concentrar ou não.
 
E ousou botar a cara e subir palanques ao lado de artistas, políticos e intelectuais pedindo eleições diretas pra presidente do Brasil. Tudo isso já faria do Sócrates uma pessoa diferente, uma pessoa a lamentar a morte. E chocado fiquei quando vi a notícia, mesmo sabendo que as chances dele eram mínimas. Cirrose é coisa muito séria, o fígado não se regenera e só transplante pode dar jeito. Falo com tranquilidade do assunto porque minha mãe morreu disso e sei o quanto essa doença é maldita.  

Sócrates “escolheu” morrer justamente em um dia decisivo pro Corinthians, dia que ele poderia ser campeão brasileiro e eu ao ler a notícia de sua morte pensei logo “Corinthians vai vencer”. Estava na cara: Deus às vezes parece roteirista de Hoolywood, com aqueles finais que deixam o espectador com olhos marejados na poltrona do cinema.
 

Assim como Chico Xavier, que tanto fez pelo país morreu em um momento de euforia da nação. A final da copa do mundo de 2002 onde o Brasil foi campeão do mundo. A morte de Sócrates me fez ter vontade de lhe prestar homenagens e relembrar mortes de personalidades que nunca ouviram falar de mim, mas que me marcaram e marcaram o Brasil.
 

A primeira morte que me lembro foi da Elis Regina em 1982, não a conhecia, mas a repercussão foi grande, assim como não conhecia Mané Garrincha e Clara Nunes que morreram logo depois.

A primeira morte de impacto de uma pessoa conhecida deve ter sido a primeira de muitos. Na noite de 21 de abril de 1985, um domingo, assistia tv com minha família quando entrou o assessor de comunicação da presidência, futuro ministro e governador do Rio Grande do Sul, Antonio Brito falando “lamentamos informar que o excelentíssimo senhor Tancredo de Almeida Neves acaba de falecer..”
 

Lembro da minha tia chorando, as pessoas na minha sala chorando e eu com oito anos de idade tinha noção do que acontecera, o presidente tinha morrido. Alguns dias antes eu inocentemente conversava com amigos da minha idade sobre a doença dele e nos perguntávamos se os militares continuariam no poder se ele morresse. Enfim, ele morreu e eu não tive aula no dia seguinte. Eu que até então nunca tinha ido a um enterro na vida vi pela televisão o seu velório e o carro de bombeiros passando pelas ruas de Minas Gerais com seu caixão em cima e uma bandeira do Brasil

Sofrimento igual vi só anos depois em outra morte que falarei mais tarde.

Fiquei triste por outras mortes. Do Zacarias e do Mussum dos trapalhões, do Pepê, voador carioca bicampeão mundial de vôo livre que era um símbolo da cidade, Cazuza, Renato Russo, Freddie Mercury, do jogador de futebol Denner, Tim Maia, Claudinho da dupla Claudinho & Buchecha. Apesar de não ser fã vi consternado minha mãe chorando com a morte do Leandro da dupla Leandro & Leonardo. O sofrimento dos fãs, pessoas que não faziam parte da vida dele, muitas não conheciam pessoalmente e parecia que um parente morrera.

Passei por isso três vezes com pessoas famosas.
 
Em 1996 tinha escolhido ídolos para mim, artistas que eu gostava não só pela música, mas pela imagem que passavam. Com muita tristeza, como se fosse com gente da família vi a morte dos Mamonas Assassinas. Soube pelo plantão da Rede Globo (aquela musiquinha que faz a pele arrepiar de susto) que o avião desaparecera e ali já veio um nervosismo de como se fosse algum amigo muito próximo. Acordei minha mãe contando a notícia e por saber que eu era muito fã tentou me consolar. Era madrugada e demorei pra conseguir dormir. Quando acordei já imaginava o que veria e inconsolável vi os corpos sendo retirados das matas e o enterro coletivo.

Outra mais recente foi a morte de um dos maiores ídolos que já tive. Acredito que toda pessoa da minha idade imitou pelo menos uma vez na vida o Michael Jackson. Quem não fez isso não teve infância. Com oito, nove anos de idade era comum nas festinhas tocar suas músicas e rolar um concurso de break onde os garotos lhe imitavam. Michael Jackson na época era o maior astro do mundo, o herói da garotada, todo mundo queria ser Michael Jackson.  

Só que nós crescemos e ele não.

Era triste ver sua decadência moral e física. Os escândalos, as bizarrices. Ele já não era mais o mesmo que nos encantou, mas mesmo assim foi um grande choque e tristeza a sua morte já previsível. A impressão era que nossa infância morria um pouco junto com ele. Foi assim que me senti ao ver a notícia e um grande luto tomou conta de mim por dias.

E aquela que acredito ser o maior de todos os traumas do Brasil.
 
Essa morte já foi até tema de 
coluna minha intitulada “1°de maio e suas mortes”. O brasileiro ama esportes porque ali ele encontra um desafogo. Ali ele esquece as vezes que mora em um país subdesenvolvido e tem orgulho de suas conquistas, o orgulho de ser brasileiro. A música, acho chata por sinal, que diz “eu sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor” foi criada em um evento esportivo e não me lembro de ter sido cantada em algo de fora do gênero.

E o brasileiro tinha em Ayrton Senna um símbolo disso. Um
brasileiro vencedor, que colocava os estrangeiros de países mais fortes “no bolso”. Rápido, rico, de boa família, carismático, que vencia e carregava a bandeira do Brasil no carro. O símbolo do brasileiro bem sucedido, o que todos queriam ser. Eu sempre fui mais fã do Nelson Piquet, gosto mais do estilo debochado dele e sempre foi um baita corredor, mas não tinha como negar o talento e carisma do Senna.

E como todos os brasileiros fiquei chocado com seu acidente. Não vi no momento, quando acordei já tinha saído da corrida e até lembro-me de mim reclamando por ele sair de mais uma prova. Depois que soube da gravidade. Fiquei como todo o Brasil na frente da tv acompanhando sua via crucis e não consegui segurar o choro quando veio a confirmação de sua morte.
 
Parecia que o Brasil tinha perdido um filho, irmão, amigo, pai, tudo ao mesmo tempo. O país se sentia órfão, desprotegido e foi assim a semana seguinte de sua morte. O translado do corpo, velório, enterro. Uma multidão nas ruas acompanhava a partida de seu “herói” morto em combate. Parecia a morte de um soldado na guerra.

E posso dizer que demorou muito pro Brasil se recuperar desse trauma, se é que já se recuperou totalmente.

Tancredo Neves, Ayrton Senna, Sócrates... Algumas perdas que marcam como se fosse de uma pessoa próxima, vai ver porque elas são e nem sentimos. Essas pessoas sem saber fizeram parte de nossas vidas, nossas histórias, crescimento e ver uma pessoa dessas morrer é como se um pouco de nós também morresse ou pelo menos um pouco daquilo que gostaríamos de ser.



Mas no fundo somos todos artistas. Afinal, não dizem que viver é uma arte?

 

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