ERA DA VIOLÊNCIA 2: CAPÍTULO XV - RODRIGO SALDANHA




Eu fiquei sem saber o que dizer. Só consegui balbuciar “Nosso filho”. Juliana se virou para mim e confirmou “nosso filho”. Eu fiquei ali, abraçado a ela e com lágrimas nos olhos.

Sim. Eu sou um canalha sentimental.

Depois de toda emoção nos sentamos e ela contou qual era o problema. Como eu desconfiava o moleque tinha se metido com drogas. Pedi que ela me levasse até a mansão.

Chegando lá ocorria um quebra pau entre Rubinho e Guilherme. O garoto estava com uma tv de lcd debaixo do braço e queria sair com ela.

Guilherme gritou “Vai se foder! Você não manda em mim! É nada meu!”. Rubinho levantou a mão pra ele na hora que entrei. No mesmo instante gritei “Abaixa a porra dessa mão!”.

Todos pararam para me olhar. Rubinho perguntou “Quem é você para falar o que devo ou não fazer dentro da minha casa?”. Olhei sério e respondi “Essa casa não é sua, é da Juliana e eu tenho mais ligações com essa casa que você”.

Começamos a discutir asperamente, passou para violentamente e Rubinho gritou “Eu vou enfiar a porrada nele e você tem nada a ver com isso”.

Fiquei muito puto, peguei minha arma, sim eu usava uma e botei na
cara dele dizendo “Experimenta filho da puta, toca nele”. Juliana
interveio pedindo para que eu abaixasse a arma e repeti “Vai seu merda, bate nele”.  

Rubinho “amarelou”. Afastou-se de Guilherme e disse a Juliana que iria sair. Chegou perto da porta, virou-se para mim e antes de sair disse “Você ta fodido”.

Maluco. Se eu tivesse medo de todo mundo que me ameaçou até hoje eu morava debaixo da cama.

Virei para Guilherme e mandei que ele largasse a tv. Guilherme respondeu “Não fode seu cuzão, acha que agora pode mandar em mim?”. Apontei a arma pra ele e disse “Larga agora seu merda! Cheio de espinhas na cara, mão peluda de punheteiro e ta se fazendo de homem? Larga agora!!”.

É. Eu estava demais.

Juliana gritou para que eu não ameaçasse o filho e mais calmo repeti a Guilherme “Larga essa porra que você não vai precisar disso”. Guilherme largou, completei “Agora você vem comigo”. Peguei meu filho pelo braço. Juliana perguntou aonde iríamos e mandei que minha ex relaxasse “É assunto de homem” respondi.

Enquanto eu saía com Guilherme em um outro canto da cidade Rubinho Barreto tomava café com Rodrigo Saldanha. Rubinho, puto pra caralho, fazia queixas de mim e Rodrigo ouvia enquanto tomava café e limpava a boca.

Rodrigo olhou para Rubinho e disse “Não gosto desse vagabundo. Não gosto de gente que se mete com traficante e pior, ele foi traficante”.

Rubinho comentou “É a escória da sociedade”. Rodrigo tomou mais um gole de café e respondeu “Fique tranquilo que to de olho nele, uma hora ele fará merda e eu pego”.

Como é bom ser querido.

Aquele homem sério, durão, estilo Chuck Norris era um dos policias mais temidos de nossa querida cidade. Rodrigo Saldanha era de uma família de policiais. Seu pai Sebastião Saldanha era delegado, seu avô, bisavô, todos pertenceram à polícia. Ah, seus irmãos também. Ele não fugiria a regra.

Mas antes decidiu curtir um pouco. Estudou arquitetura, largou, pegou uma mochila e decidiu viajar pelo mundo a contragosto do pai que queria que ele fosse logo estudar direito e se tornar delegado. Rodrigo respondia “Eu serei isso tudo, mas tenho a vida toda para ser, antes quero aproveitar o que posso”.

E aproveitou. Com a mochila e economias foi para a Europa. Passou por vários países até que se estabeleceu na França.

Lá ficou alguns meses fazendo de tudo um pouco. Fez amizade com o casal Getúlio e Mariana, sim o senador Getúlio Peçanha, pai de Juliana e meu dileto amigo e depois de algum tempo se viu obrigado a voltar ao Brasil por imposição do pai que suspendeu a mesada mandada pela mãe.

Voltando finalmente ingressou em uma faculdade de direito. Lá conheceu Mônica com quem se casou.

Estudou, se formou, fez prova, passou e virou delegado. Tudo conforme estabelecido pela família. Os filhos vieram. Gabriel, o mais velho, Luciana e Fernanda.

A família perfeita. Nem tanto.

Mônica e Rodrigo brigavam demais. Brigas homéricas com objetos quebrados, tapas, ameaças de morte até que um dia a mulher não aguentou. Conheceu um homem e foi embora com ele deixando apenas uma carta.

Na carta Mônica relatou que não aguentava mais viver naquela casa com o marido e ia embora para ser feliz. Um dia voltaria para buscar os filhos.

Nunca mais voltou.

Dessa forma Rodrigo teve que cuidar dos três filhos sozinho. Durão, rígido, criou os filhos com formação militar. Ninguém nunca soube exatamente o que se passava no coração do homem que fora abandonado.

Mas se sofria arrumou uma maneira de não precisar pensar em Mônica. Colocou a cara no trabalho.

E parceiro. Isso fez a coisa ficar ruim pra bandidagem.

Sua delegacia era a que melhor mostrava serviço no Rio de Janeiro. Traficantes foram presos e assassinados, todos os índices de violência caíram. Foi perfeito em dois casos emblemáticos e que lhe fizeram nome.

Primeiro um assalto que se transformou em sequestro. Três homens invadiram uma casa, renderam a família e quando saíam perceberam a presença da polícia chamada por vizinhos.

Foram horas tensas, que se transformaram em dias tensos. Todos os membros da família foram soltos, menos uma das moças. Descobriu-se no meio do sequestro que o líder dos sequestradores era ex-namorado da moça e assim o que era um “simples” sequestro ganhou conotação dramática.

Rodrigo comandou toda a negociação que durou quatro dias. Ao fim do quarto dia conseguiu a rendição dos sequestradores e o caso teve um final feliz. O nome Rodrigo Saldanha praticamente ficou associado a um herói.

Herói mesmo virou no caso seguinte

Um caso escabroso. Uma menina de nove anos apareceu morta em um terreno baldio próximo de uma favela. Apresentava sinais de espancamento e abuso sexual.

Mais um caso que mobilizava a cidade, a imprensa, a opinião pública. Quem matou a menina? A suspeita, primeiro, caiu sobre um vizinho que sofria de retardamento. Chegou a ser preso, torturado, mas se declarava inocente.

Rodrigo concordou com sua inocência. Quando soube da tortura afastou os policiais e indo contra a opinião pública que já via o caso como resolvido continuou investigando.

E descobriu que tudo foi armado por uma ex-amante do pai da menina que junto com outro cara que contratou fez todo o serviço por vingança.

Prendeu os dois, resolveu o caso e virou chefe da divisão anti-sequestro.

Era chefe dessa divisão quando ocorreu o sequestro de João Arcanjo. Não solucionou o caso, mas pelo menos o garoto voltou vivo para casa.

Por seus serviços prestados foi crescendo na polícia. Virou chefe da polícia civil e na época explodiu escândalo de que teria ligações com a milícia de Major Freitas, mas nada foi provado.
 
Só que parceiro, ele tinha.

Assim como prosseguia muito chegado a Getúlio Peçanha e passava todas as informações de investigações policiais para ele. Não eram raros os encontros dos dois em restaurantes pequenos e afastados. O senador chegava com envelope de dinheiro, entregava ao policial e pedia “Conte tudo”.

E sem pudor nenhum Rodrigo contava.

Assim como com Major Freitas Rodrigo ganhou muito dinheiro com o pretexto de tomar as favelas e regiões pobres do estado das mãos dos traficantes. Freitas comandava tudo e Rodrigo era o responsável pelo mapeamento dos traficantes, a forma que eles agiam e seu poder de fogo.

Sim. O “super herói” Rodrigo Saldanha não era perfeito, muito pelo contrário. Mas assim virou um policial muito respeitado e
secretário de segurança do governo de Juliana que além de gostar de seu trabalho tinha ligações afetivas por ser amigo do pai.  

Mas além de não ser um policial perfeito também não era como pai. Seu jeito de ser provocava polêmica em casa e isso causou problemas com o filho mais velho, Gabriel.

Evidente que assim como foi de geração em geração Rodrigo queria que Gabriel seguisse os seus passos, mas o rapaz não queria. Surfista, amante da natureza, o rapaz gostava de enfrentar as ondas e esportes radicais.

Polícia? Queria nem ver por perto, até porque quando via era sinal de problemas.

Uma tarde voltava de Saquarema de carro com amigos e foi parado em uma blitz. Ao revistar o carro encontraram trouxinhas de maconha e papelotes de cocaína. Foram todos levados à delegacia.

Um enfurecido Rodrigo chegou ao local perguntando pelo filho. Ao encontrar o moleque lhe encheu de tapas ali na frente de todos. Os policiais nada fizeram pra impedir enquanto Gabriel repetia que o pó não era dele.

Rodrigo batia e Gabriel repetia “Para porra!! O pó não é meu!!. Cansado de bater Rodrigo parou e perguntou “Vou confiar em você, a droga não era sua então?”.

Gabriel olhou firme para o pai e respondeu “O pó não, a maconha sim” e deu um sorriso.

Rodrigo por um tempo olhou o garoto, depois olhou o delegado e disse “Pode prender”.

Saiu ouvindo gritos de “Pode ir embora, preciso de você pra porra nenhuma!!”.

Encontraram semelhanças entre Gabriel e Guilherme né? Pois é.

Gabriel, o filho rebelde acabou sendo liberado, voltando pra casa e vivendo às turras com o pai. No meio da situação Luciana e Fernanda tentavam contornar sem sucesso. A história chegou a ponto de Rodrigo expulsar Gabriel de casa.

Gabriel foi morar numa favela. Continuou vivendo pro surf, esportes radicais, meninas, mas também se envolvia em más companhias. Passou da maconha pra cocaína, cocaína para drogas mais pesadas e cometer assaltos.

Luciana alertou ao pai sobre o que ocorria, mas Rodrigo respondeu “Não tenho mais filho”. Mesma reação que teve quando soube que
Gabriel se envolvera no assalto a casa de um desembargador.

Com tantos problemas Gabriel virou uma pessoa marcada. Devendo na boca apanhou e foi expulso da favela. Andava a esmo, sem eira nem beira quando homens encapuzados lhe sequestraram.

Levaram até a floresta da Tijuca e um assustado Gabriel perguntou o que queriam. O líder dos encapuzados tirou o capuz e respondeu “Quero que dê um recado para seu pai”.

Nervoso Gabriel perguntou qual e que assim que ele saísse de lá falaria.

O homem riu e respondeu “Não será falando”.

Fuzilaram o rapaz.

A notícia chegou de madrugada na casa dos Saldanha. Enquanto Luciana e Fernanda se abraçavam desesperadas Rodrigo abaixou a cabeça e disse “Existe um engano, eu não tinha nenhum filho”. As meninas se assustaram com a resposta do pai que emendou “me deem licença, tenho trabalho amanhã e preciso descansar”. Falou e se retirou.

Rodrigo se trancou no quarto e ninguém sabe sua reação dentro do mesmo. Era durão, rejeitou o garoto, mas era seu filho. Chorou? Sofreu? Nunca saberemos.

A vida do homem prosseguiu. Antes de deixar a secretaria de segurança fez um último grande ato para a população fluminense. Me prendeu. É, que orgulho pra ele e pra mim né?

Eu e ele juntinhos na delegacia com a imprensa tirando um monte de fotos. Rodrigo, lembrando da forma que fui preso falou baixinho em meu ouvido “Deu sorte”.

Roberto Vergara, candidato de Juliana, venceu as eleições e Rodrigo entregou seu cargo como secretário de segurança mesmo com o novo governador pedindo por sua permanência. Alegou cansaço e estar velho.

Virou um policial aposentado. O tempo foi passando e nova tragédia chegou a sua vida, dessa vez com Luciana.

Luciana era a filha  preferida dele, nunca negou para desgosto
de Gabriel e Fernanda. Sua morte foi um duro golpe no coração do policial que passou mal quando soube e parou hospital.   

Lá internado e entubado recebeu visita de policiais e perguntou “Sabem alguma coisa sobre a morte da minha filha?”. Os homens responderam que não. Enfurecido Rodrigo tirou os tubos de seu braço, nariz, levantou e disse “Eu vou descobrir esses filhos da puta”.

O médico ainda tentou parar o homem que parecendo um tanque de guerra praticamente passou por cima dele gritando “Não se mete”.

Apareceu no enterro com aspecto de doente, mas enfurecido. Chamou a atenção de todos a forma que olhava o caixão descer. A forma de quem iria comer o coração dos assassinos com fritas e molho ferrugem.

Botou toda sua rede de inteligência para investigar e ele mesmo saiu na caça. Depois de alguns dias, sem nenhuma novidade, uma surgiu da boca de um de seus comandados.

“Estão todos mortos”. Contou o homem.

“Como?” Perguntou surpreso o policial. O homem explicou como chegaram nas pistas e a surpresa ao encontrar todos mortos e a forma que foram encontrados. Mortes violentas, como se fosse vingança. 

“Como se fosse não, foi vingança” corrigiu Rodrigo Saldanha. Nisso o seu comandado comentou “parece coisa dos cachorros velozes”.

Rodrigo olhou o homem e perguntou “Cachorros velozes? Quem são esses?” Antes de ouvir a resposta Rodrigo mesmo respondeu “Não precisa, eu vou descobrir tudo sobre eles. Até o tipo de ração que comem”.

E se ele prometeu é porque iria mesmo.


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