UMA NOITE EM SÃO PAULO




Sempre fui um cara que gostei de escrever (É, você que acompanha meu blog nem deve ter percebido). Por ser filho único tive que apelar para minha imaginação para brincar. Pegava meus bonecos e criava histórias com princípio, meio e fim para eles. Como em um filme.

No começo de 1986 comecei a escrever histórias em quadrinhos. Tinha nove anos de idade e era fã de carteirinha da série “Armação Ilimitada”, aproveitei para criar quadrinhos com os personagens do programa. Meu desenho era péssimo e quase trinta anos depois posso dizer que não melhorou muito, mas as histórias até que achava legais para a idade.

Em 1989, aos treze, comecei a escrever pequenos roteiros. Levava para a galera do colégio ler e eles gostavam. Dessa época surgiram personagens que utilizo ainda hoje. O detetive Nico Carioca foi tema de um conto publicado semana retrasada no Ouro de Tolo (ler aqui) e o desbravador azarado Sir Aloisius, que tentava salvar a princesa de uma série de confusões, foi criado para homenagear uma menina que gostava na época. Criava historinhas e dava pra ela que adorava e era uma forma de vencer minha timidez e estar ao seu lado. 

Esse personagem virou o principal de uma peça de teatro que escrevi ano passado (ler aqui).

Aos quinze comecei a fazer músicas. A primeira foi para essa mesma menina, música péssima por sinal. Dois anos depois que compus a primeira que gostei e lembro até hoje. Aos vinte e um veio o primeiro grande acontecimento da minha vida como escritor. Virei compositor de samba-enredo. 

Foi em 1997. Comecei na União da Ilha sendo eliminado de cara, mas no mesmo ano fiz final no Boi da lha. Primeira oportunidade profissional de escrever, botar a cara e estou há 16 anos nesse meio. Só para escolas de samba foram 97 sambas compostos, 61 finais e 32 vitórias. Ganhei Estandarte de Ouro em 2001 pelo Boi da Ilha (Melhor samba do grupo A) Troféus S@mbaNet e Jorge Lafond em 2009 pelo mesmo Boi da Ilha (Melhor samba do grupo B) e ganhei o concurso de samba da União da Ilha em 2012. Para 2014 sou autor dos sambas do Boi da Ilha, Acadêmicos do Dendê. 

Corações Unidos do CIEP (Escola mirim) e Unidos do Aquarius (Cabo Frio).

Em 2011 comecei a escrever livros e a escrever para um blog, o Ouro de Tolo. Esse ano comecei a escrever o meu blog. Mas você deve estar se perguntando porque estou escrevendo sobre tudo isso.

Já explico.

Ano passado também comecei a escrever peças teatrais e expor no site “Recanto das Letras”. No meio desse ano estava em um momento ruim, baixa auto estima, me achando um zero e em vez de tomar chumbinho decidi debochar disso tudo escrevendo uma peça chamada “Eu matei Nelson Rodrigues”.

A história de um escritor fracassado chamado Aloisio (mera coincidência, claro) que é sustentado pela pensão da avó doente e aluguel de um quarto na sua casa para uma prostituta. Uma noite ele sai de carro e se depara com um corpo no chão que descobre ser do dramaturgo Nelson Rodrigues. O mundo cai em sua cabeça enquanto ele nega o atropelamento até que tomado pela ambição assume, fica famoso e ganha reconhecimento graças a isso.

Escrevi a peça, mostrei para duas pessoas que aprovaram e coloquei no Recanto. Alguns meses passaram e recebi contato pedindo autorização para montagem da peça. Dei a mesma, mas sem esperar nada porque foi o segundo pedido para montagem dela, eu já recebera dois pedidos também para montagem de uma peça chamada “Coração Rasgado” e depois não tive mais contato com as pessoas que pediram.

Mais alguns meses se passaram e para minha surpresa recebi outro e-mail do Humberto (pessoa que fez o contato comigo) dizendo que estavam ensaiando e passando para mim os dias das apresentações.  Comentei com algumas pessoas próximas, mas mesmo assim fiquei com pé atrás dizendo que quando chegasse perto entraria em contato com ele pra saber se era pra valer.

Faltando uns três dias mandei e-mail. Ele respondeu que era sim pra valer. Deu endereço, horários de apresentações, nome da casa de teatro. Tudo. Entrei no google como não quer nada e digitei o nome da peça. Aí apareceram anúncios da apresentações, cartaz, livro indicando a 79° Mostra de teatro do Macunaíma, que descobri ser a maior escola de teatro de São Paulo, e aí sim caiu a ficha. A peça seria encenada.

Tive que arrumar um jeito de ir ver. A princípio iria com a Bia minha ex que vocês já conhecem (ela por sinal inspira o fim da peça e é claro que não contarei como é). Só que tive que mudar minha ida de terça para quinta e ela não poderia comparecer. Fiquei em dúvida se iria sozinho. Ir a São Paulo encarando seis horas de ônibus para passar por locais que dão saudades e traumas, assistir uma peça e voltar na mesma noite.

Decidi encarar e fui.

A rodoviária de São Paulo é marcante para mim. Ela representa alguns dos melhores e piores momentos da minha vida (Inspiração de um conto e primeira esquete da peça “Coração rasgado”). A última vez que passei por ela me deixou marcas que se expuseram ao pisar em seu solo novamente, mas não me deixei abalar. Um grande momento se aproximava.

Peguei o metrô, desci na estação Marechal Deodoro e rapidamente cheguei ao teatro. Ali um turbilhão de emoções se iniciou. Ver a fachada da escola. O cartaz da peça com meu nome, a bilheteria, as pessoas esperando o horário da primeira apresentação. Um dos atores foi me buscar e me levou até o camarim. 

Chegando lá eles ouviam atentamente as últimas instruções que a diretora dava por celular. Depois foram ao palco ver últimos detalhes para a apresentação e corrigir pequenos defeitos. Fui muito bem recebido por todos que mostraram imenso carinho e alegria por representarem aquele texto. Falaram que o texto era denso, difícil e me imaginavam mais velho.

Vi isso como duplo elogio. Sinal que não pareço tão velho assim.

Fui para o lado de fora com meu ingresso e fiz questão de esperar na fila como todo mundo. A fila crescia e me dava orgulho e ansiedade ver tanta gente ali para assistir a peça e eu estava doido para assistir.

Entrei, sentei e a peça começou. Começou diferente do que eu tinha escrito. A princípio estranhei, mas vendo e prestando atenção naquele começo pensei “Não é que ficou legal?”. Botaram dois atores representando a consciência do personagem Aloisio. Um era o bem, o outro o mal. Eles não saíram de cena em nenhum momento dando mais dinamismo e profundidade ao texto. 

Se eu fosse escrever hoje a peça escreveria com esses personagens e com outras mudanças que fizeram que achei geniais e não posso revelar porque senão algumas surpresas da peça são descobertas.

Logo depois disso entraram no texto. Não só respeitaram o que escrevi como trataram com muita garra e carinho defendendo muito bem seus personagens e a história. Impressão que passaram é que não importava se era texto de um autor iniciante como eu ou se fosse de um consagrado. O amor que eles têm pelo teatro fariam tratar qualquer texto da mesma forma.

Aos poucos fui esquecendo que era autor da peça e virei público. Comecei a curtir a peça, a rir, prestar atenção e fui gostando. Pensei “Não é que esse texto rendeu mesmo uma peça de teatro? De verdade?” e fui me envolvendo.

Ao ponto de nos últimos dez minutos de uma longa peça de uma hora e vinte (que eles deram uma agilidade que nem deu pra ver o tempo passar)  estar completamente absorvido e impactado com o fim e suas revelações.   

Notei o burburinho do público a medida que revelações iam ocorrendo. Vi uma menina mostrar o braço pro namorado e dizer que estava arrepiada. Olhei para o lado, atrás e vi as pessoas prestando atenção em silêncio e lembrei de filmes que vi onde os fins eram impactantes e eu ficava daquela forma.

Difícil descrever o que senti naquele momento, o que senti na última cena, nas últimas falas. Um orgulho imenso como poucas vezes senti na vida. Em uma das últimas falas, a última com mais texto do personagem principal em que o silêncio tomava conta do teatro eu olhava hipnotizado e pensava “Fui eu que escrevi isso?”. Cheguei em casa, abri o texto e sorrindo comprovei “Sim, fui eu que escrevi isso”.

No fim as pessoas demoraram alguns segundos pra sair do transe e quando conseguiram levantaram e aplaudiram de pé gritando e assoviando. O Humberto (foto), que entrou em contato comigo e deu esse show no fim da peça me chamou e me apresentou como autor do texto. Fui até o palco surpreendendo todos que estavam a minha volta na plateia e aplaudido pelo público e pelos atores agradeci.

No fim todos se cumprimentavam e quase todos que assistiram vieram apertar minha mão e elogiar. O namorado da tal menina disse que estava com lágrimas nos olhos. Para um escritor lágrima tem som de aplauso.

Foi assim nas duas sessões que assisti. Teatro pequeno, com menos de cem lugares, mas com as duas sessões lotadas e o ingresso não era gratuito, o que mostra ainda mais o feito dos atores e direção.

Senti um energia muito boa entre aquele grupo de atores e eu. 

Modestamente ajudei a realizar um sonho deles e eles o meu. Vejo a todos agora como amigos, amigos importantes que terão sempre meu carinho, admiração e torcida para que consigam realizar seus sonhos.

Voltei pra rodoviária de madrugada, como na última e traumatizante vez que fui a São Paulo. Trauma? Aquela rodoviária agora representava o sucesso.

Escrevi a peça em um momento ruim. Não passava mais por esse momento ruim quando fui a São Paulo. Passo por um dos melhores momentos de minha vida nesses últimos anos e o trabalho desses atores foi a cereja do bolo de um ano que acaba muito bem.

Agora posso dizer que com nove anos fiz histórias em quadrinho, aos treze pequenos roteiros, aos quinze músicas, aos vinte e um a compor sambas de enredo..

..e aos trinta e sete tive uma peça de teatro encenada.

E também posso dizer que..

“Sou louco, sou são, vivo nos sonhos, morro na realidade. Qual é a verdade? Não sei, mas posso ser vítima de minha maior mentira. A corrupção de um político, o trauma de uma velha senhora. Posso ser a empregada dedicada, o jornalista inescrupuloso. O delegado com seus segredos ou o amigo de todas as horas.

Um amor que acabou, um amor que te põe em chamas ou um amor prostituído!! Sim, sou prostituta!! Vendo minha alma por um pouco de amor, rastejo por sarjetas em troca de uma dose de afeto!! Sou um louco em uma terra de insanos!! Mas o que é a sanidade senão a falta de capacidade de sonhar? Sim, eu sonho!! Sim eu deliro e viajo pela minha loucura!! Sou Jesus Cristo e sou o diabo!! Sou Nelson Rodrigues, um anjo pornográfico que olha pelo buraco da fechadura!! Quero ser feliz nem que para isso seja na minha loucura!! Eu me chamo Aloísio, sou louco e tenho pena de quem não é."

 
*Dedicado aos alunos e amigos da Escola de teatro Macunaíma





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