ERA DA VIOLÊNCIA 2: CAPÍTULO XVI: A CARA DO PAI




Eu e o Guilherme entramos no meu carro com o moleque me perguntando aonde iríamos, respondi “fica quieto” e dirigi. Parei na beira de uma favela e mandei que ele esperasse no veículo.

Era o morro do Trololó, morro que eu conhecia tão bem e sabia que ele comprava a droga. Subi o morro indo direto a boca principal. Vi a frente dela e falei baixinho “sempre bom voltar ao antigo local de trabalho” entrando logo depois. 

Entrei na boca e tinha uns bandidinhos com fuzis nas costas embalando as drogas. Perguntei “Cadê o Cauby Peixoto?”. É, vocês podem não acreditar, mas o novo dono do Trololó se chamava Cauby Peixoto.

Os moleques não eram do meu tempo, não me conheciam e perguntavam quem eu era. Respondi “Gilberto Martins, o antigo dono dessa porra. Quero trocar uma ideia com o Cauby. Pode ser?”.    

Um dos moleques respondeu que ele estava chegando. Sentei e vi uma pilha de revistas, peguei uma para ler. Incrível, parecia um consultório médico. Até comentei com os moleques “É, isso aqui melhorou muito”.

Um tempo depois entrou um neguinho de cavanhaque, camisa do Flamengo e um papagaio no ombro. Era o Cauby. Entrou, me viu e perguntou “Qual foi?”.

Respondi perguntando “Ta me reconhecendo não porra?”. Ele abriu o sorriso e disse “Tio Beto!!”.

Puta que pariu. Virei tio de traficante.

Cumprimentei e disse que precisava ter uma conversa com ele. Cauby perguntou qual era o problema e respondi “Meu filho anda comprando drogas aqui e não quero mais que venda pra ele”.

Cauby ouviu tudo que eu falei e retrucou “Beleza tio, mas somos um comércio, uma empresa e a empresa vive de suas vendas. Como eu posso impedir um consumidor de comprar meu produto?”.

O filho da puta falou bonito.

Falei “Cauby, eu te via todo remelento, com nariz escorrendo andando pro aí, barriga cheia de lombriga e te trouxe pro tráfico, pra ser alguém, você tem que quebrar essa pra mim”. Cauby pensou um tempo e perguntou “Isso é tão importante assim pra você tio?”.

Respondi que sim e ele prometeu “Deixa comigo, me passa foto do garoto que ele não compra mais em nenhuma favela da nossa facção”. Agradeci e passei.

Tomei um cafezinho na boca, dei uma cheirada, conversamos amenidades e como forma de agradecimento comprei uma boa quantidade de pó. Antes de sair resolvi matar uma curiosidade antiga minha e fiz uma pergunta a Cauby.

“Eu nunca entendi. Por quê seu nome é Cauby Peixoto?”. Cauby olhou pra mim sorrindo e devolveu com pergunta “Esqueceu o nome da minha mãe tio?”. Bati na testa e respondi “Claro, dona Conceição”.

Agradeci mais uma vez e desci a favela. Cauby comentou com os comparsas “Que babaca, qual problema com meu nome?”. Fez um carinho no papagaio e gritou “Oh Elymar Santos!! Vai ver com o Wilson Simonal se o carregamento chegou!!”.

Desci, entrei no carro e Guilherme reclamou “Porra, demorou pra caralho!!”. Mandei que ele não enchesse e liguei o carro. Ele perguntou para onde iríamos e respondi “Pra minha casa.”

Entramos, mandei que ele se sentasse e sentei a sua frente. Uma mesinha nos separava. Tirei todo o pó do bolso da calça, joguei na mesinha e falei para ele “cheira”.

Guilherme nada entendeu e repeti “Vai, cheira”. O moleque continuou me olhando até que comecei a cheirar e mandei de novo. 

Primeira cheirada juntos. Pai e filho metendo o nariz. Isso é muito lindo.

Cheiramos o dia todo e no fim Guilherme comentou “Porra, você é maluco!”. Depois de limpar o nariz falei “Aproveitou bem? Foi a última vez que você cheirou”.

O moleque nada entendeu e repeti “Já falei com o Cauby, a facção toda ta atenta em você. Você não cheira mais”. Guilherme, puto, levantou e disse que eu não podia fazer isso.

Levantei e respondi que podia sim, porque além de ser seu pai conhecia toda a bandidagem e não deixaria mais que ele metesse o nariz tão facilmente. Guilherme se dirigiu a porta para ir embora comentando “Maldita hora que minha mãe disse a verdade pra você”. Abri a porta para ele e disse “Também te amo meu filho”.

Fiquei em cima de Guilherme e Rodrigo estava em cima de mim. Um dia Juliana e Donato distribuíam santinhos de campanha em uma favela enquanto eu estava encostado em um carro. Rodrigo se encostou ao lado e ficamos quietos observando a tudo. Depois de um tempo Rodrigo perguntou “Conhece os cachorros velozes?”.

Continuamos olhando a movimentação e perguntei “O que é isso? Grupo novo de pagode?”. Rodrigo ajeitou os óculos sobre o rosto e respondeu “Grupo de extermínio. Como bom jornalista policial e pessoa bem relacionada pensei que soubesse”. Respondi que não e ele completou “Pena, pensei que soubesse já que vem escrevendo em seu blog sobre grupo de extermínio”.

Virei para ele e falei que era ficção. Rodrigo ainda olhando para frente disse “Vamos ver se é ficção mesmo”. Pegou um santinho do bolso, botou em minha mão e pediu “Vote em mim” depois se juntou aos outros candidatos para fazer campanha.

No fim Scarface apareceu na favela, perguntei o que ele fazia ali e o taxista respondeu que estava a serviço de Donato Barreto. Mandei recado por ele, precisava falar com Rui.

Os cinco se encontraram no galpão e contei que Rodrigo estava de olho, já sabia da existência dos “Cachorros velozes”.  Rui acendeu um cigarro, deu um sorriso e respondeu “Já imaginava, o velho é esperto”.

Perguntei se isso não lhe preocupava e Rui respondeu que não “Ele é esperto, mas eu sou mais”.  João perguntou se tinha algum trabalho, ele queria comprar um presente de aniversário para Fernanda e o policial respondeu que sim. Um advogado que estava incomodando algumas pessoas importantes.

O trabalho foi feito naquela noite mesmo. Alguns dias depois João buscou Fernanda dentro de casa. Tampou os olhos da mulher e comentou que tinha uma surpresa pra ela. Quando saíram mandou que abrisse os olhos. Fernanda abriu. Era um carro.

Fernanda feliz e assustada perguntou como ele conseguira. João respondeu que a farmácia estava dando lucro e ele comprara a suaves prestações. Fernanda agarrou o marido pelo pescoço, disse “te amo” e lhe deu um beijo apaixonado.

Não. João não comprara em suaves prestações. Pagou a vista pelo veículo e outros luxos. Abriu uma filial da farmácia, melhorou o padrão de vida, tudo o que fazia Rodrigo Saldanha desconfiar que algo ocorria. Um dia Rodrigo visitou o casal e enquanto olhava a tudo na casa reformada comentou “A coisa ta melhorando pra vocês”. João Arcanjo confirmou dizendo “Venho trabalhando muito”. Rodrigo completou “Imagino”.

É. Ele imaginava.

Rui continuava sua sina de procurar prostitutas. Dessa forma chegou a uma chamada Yolanda. Mulata bonita e faceira, atendia em um quarto e sala em Copacabana. Rui viu no calçadão e ficou alucinado por ela. Passaram a noite bebendo, cheirando e fodendo. 

No fim suados viam o Sol nascer na janela e o homem comentou “Podia fazer isso com você a vida toda”.

Yolanda se espreguiçou e respondeu “Só você me pagar todo dia benzinho”. Rui riu e disse “gostei de você”, Yolanda pegou a boca do policial e falou “Você só tem um problema”. Rui perguntou qual era e Yolanda respondeu “Você fala demais”. Beijando o policial logo depois.

Rui ficou louco na mulata. Ia todas as noites atrás dela, seja no calçadão ou no inferninho que ela trabalhava. Rui chegava no começo da noite e pegava uma cerveja para ver a mulher no pole dance. Normalmente a noite acabava no quarto e sala de Yolanda.

Mas não era apenas Rui que vivia um romance, Scarface também. O lunático virou taxista oficial de Donato Barreto sendo o seu chofer e levando o deputado para todos os cantos. Isso provocou a desconfiança de Rubinho que perguntou ao irmão o que ocorria.

Donato respondeu que nada e perguntou “Qual o problema?”. Rubinho perguntou sobre a relação dele com o taxista. Furioso Donato pediu “Me respeite”. Rubinho rebateu “Eu que peço respeito. A mim, ao nosso nome e a Flávia”.

Donato e Scarface viviam um romance tórrido com o deputado enchendo o taxista de presentes. Um dia Scarface apareceu com um táxi novo, Galalite perguntou se vinha da grana dos “trabalhos” e o taxista respondeu com toda sua sutileza “De um viadinho que to comendo”.

Scarface conseguia tudo o que queria de Donato e foi assim que contou do seu sonho em morar nos Estados Unidos. Donato comentou “Não sei se conseguiria viver sem você”. Scarface pediu que o homem fosse para Nova York com ele e o deputado respondeu “Não posso, mas vou tentar realizar seu sonho”.

Scarface falou baixinho em seu ouvido “Se você fizer isso realizo todas as suas fantasias”.

Pronto, O deputado gamou.

Minha vida também prosseguia. Fazia campanha com Juliana, escrevia para o blog e dava aulas. Uma noite entrei na sala da universidade para lecionar quando vi uma mulher conhecida sentada na primeira fileira. Olhei prestando muita atenção e não acreditei gritando “Bianca!!”.

Sim. Era a Bianca. A menina que tinha me roubado.

Bianca me viu, tomou um susto e saiu correndo da sala de aula. Não me fiz de rogado e corri atrás dela. Começamos uma perseguição pelos corredores até que a alcancei segurando pelo braço.

Peguei seu braço com raiva e antes que eu pudesse falar alguma coisa ela me empurrou para a parede e me beijou.

Amigos. Aquela mulher era o cão, o demônio. Me deu um beijo que parecia sugar a minha alma, depois aproveitou  que o local estava deserto e abriu uma porta ao lado me jogando dentro.

Me jogou com força e eu quase caí. Ela entrou, trancou a porta, me pegou e jogou violentamente na parede. Eu só conseguia olhar assustado. Bianca me beijou de novo, depois me jogou no chão e subiu em cima. Por alguns instantes tive medo e pensei em chamar minha mãe, mas alguns segundos depois desisti.

Que mulher!!

Depois de tudo eu estava extenuado caído no chão e ela se levantou normalmente, colocou a roupa e pegou um estojo para olhar no espelho e passar batom. Eu arrasado no chão, praticamente currado por aquela mulher perguntei por meu carro e meus pertences.

Bianca acabou de passar o batom, passou o pé delicadamente sobre meu pau e respondeu “Amanhã a gente se vê” saindo logo depois daquela sala que parecia um depósito.

Ela tinha me roubado. Levou carro, dinheiro, um porralhão de coisas, respondeu isso que citei acima e saiu. Foi embora sem me dar satisfação nenhuma.

Enquanto eu pensava na situação Pardal e Lucinho apareceram e ficaram me olhando. Perguntei o que os dois queriam e eles começaram a conversar entre si. Pardal comentou “Não acredito que ele ainda está pensando no carro”. Lucinho respondeu “É um babaca mesmo”.

Perguntei se eles iriam ficar discutindo sobre mim ou me ajudariam a levantar. Pardal se aproximou, estendeu a mão e antes que eu pegasse retirou e disse tchau. Os dois sumiram e eu fiquei ali completamente zonzo com aquela mulher.

Rui e Yolanda, João e Fernanda, Donato e Scarface, Rubinho e Juliana, eu e Bianca. Assim se formaram os casais. Rodrigo era uma pedra em meu sapato, Guilherme parecia mais sossegado em relação as drogas, as execuções continuavam e o dia da eleição chegou.

Juliana foi votar com Rubinho e Guilherme a tiracolo. Fazia o V da vitória e os três se abraçavam para os flashes como uma família feliz.     

Eu tinha bebido, cheirado e fodido com a Bianca a noite toda e tava nem aí pra porra nenhuma de eleição. Acordei faltando meia hora para acabar o horário de votação com telefone tocando. Olhei o celular, vi o nome de Juliana e gritei “Puta que pariu, a eleição!!”.

Levantei correndo enquanto Bianca, sonolenta, me perguntou qual era o problema. Respondi “Tenho que votar”. Enquanto eu botava a roupa a mulher comentou “Não sabia que você era tão patriota”.

Consegui chegar na sala pra votar faltando cinco minutos. Votei rapidinho e novamente o telefone tocou com Juliana perguntando onde eu estava. Eu saía da zona eleitoral dizendo “Acabei de votar agora, a fila estava enorme”. Juliana esbravejava “Você é um irresponsável. Era pra estar aqui no comitê faz tempo, não deixando pra votar na última hora. Você não cresce”, desligando na minha cara.

É foda. Ex é pra vida toda.

Cheguei no comitê com Bianca e lá estavam Juliana, Donato, Rubinho, Rodrigo entre outros. Apresentei Bianca a Juliana como namorada e ela engoliu em seco respondendo que era um prazer conhecer.

Assumi a comunicação entrando em contato com fiscais, navegando na internet, telefonando para saber como transcorria a apuração. Mas nem precisava.

Juliana era muito popular, fizera ótimo mandato como governadora e foi eleita com facilidade. Desliguei o notebook e me encaminhei à sala principal do comitê onde teria um comunicado a fazer.

Todos pararam para me ouvir. Cheguei próximo de Juliana e disse “Parabéns senadora, você foi eleita”.

Uma grande festa tomou conta do ambiente com Juliana me dando um forte abraço. Fomos completamente tomados pela emoção, mas rapidamente Juliana se recompôs e abraçou o marido lhe beijando. Bianca se aproximou de mim e me deu parabéns, dessa forma a festa prosseguiu.

Muitos comes e bebes foram servidos. Organizei a coletiva de Juliana e depois fizemos uma grande carreata. Minha festa foi completa porque Rodrigo Saldanha, surpreendentemente, não conseguiu se eleger deputado estadual. Ele teve uma boa votação, mas ficou fora pelo esquisitíssimo quoficiente eleitoral que elegeu um ator pornô ex-integrante de reality show e que teve metade dos votos dele em seu lugar.

Eu adoro esse quoficiente.

No fim voltamos ao comitê e eu consegui ficar um pouco sozinho com minha ex. Juliana agradeceu por minha força em toda a campanha e respondi “Não precisa agradecer. Foi um prazer trabalhar com você por esses meses, conviver com você”.

Antes que eu me afastasse Juliana perguntou “Quer trabalhar comigo em Brasília? Assessor parlamentar?”. Perguntei se aquilo era sério e ela respondeu que sim.

Agradeci e falei que ela podia contar comigo. Juliana me deu um beijo no rosto e Rubinho surgiu lhe chamando. Minha ex se despediu e começou a andar em sua direção.

Enquanto ela andava perguntei “E o Guilherme? Cadê?”. Juliana apenas respondeu “Onde sempre anda. Longe de mim”.

Bianca se aproximou e fomos pra casa. Repetimos a noite de bebedeira, pó e fodelância e apaguei. Essa mulher ainda iria acabar comigo.

Algumas horas depois acordei com telefone tocando. Era Rui de Santo Cristo. Atendi perguntando o que o policial queria, ouvi atentamente e apenas respondi “Estou indo praí” desligando o celular.

Bianca acordou me perguntando o que ocorrera e enquanto eu me arrumava respondi.

“Meu filho foi preso”.


ERA DA VIOLÊNCIA 2 (CAPÍTULO ANTERIOR)

RODRIGO SALDANHA
 

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