Y


*Conto publicado na coluna "O buraco da fechadura"do blog "Ouro de Tolo" em 13/7/2013


Sim, Y é o nome do nosso herói, qual o problema nisso? Nome normal para um espermatozoide.

Não, não estou maluco essa história é sobre um espermatozoide, mas não de um espermatozoide qualquer, um chamado Y.

Desde pequenininho foi treinado para o grande dia. O dia que participaria da corrida para fecundar um óvulo. Mas Y tinha seus defeitos. Era muito tímido e sofria de baixa autoestima o que lhe fez passar anos em psicólogos.

Y tinha medo do fracasso. Sabia que a corrida era muito difícil e era apenas uma chance na vida. Milhares de espermatozoides correndo atrás da chance da fecundação e apenas um conseguindo. Para os derrotados restaria o limbo, a pecha da derrota.

Ele não queria participar dessa corrida, não queria fecundar óvulos, seu sonho era virar humano. Uma pessoa sem precisar fecundar nada e nem participar de corridas. Y era um espermatozoide sensível que gostava de ouvir música clássica, Barbra Streissand, ver programas de culinária na tv e torcer pelo Fluminense.

Sim, Y era gay.

Como podia? Um espermatozoide gay?? Y não conseguia entender a sua situação. Desde pequeno se sentia diferente. Enquanto seus amiguinhos espermatozoides brincavam de futebol ele ficava em casa experimentando as roupas femininas e imitava a Mara Maravilha. Y não sentia desejo por óvulos, se sentia estranho a medida que crescia e via seus amiguinhos de forma diferente.

Treinava a corrida aos óvulos com eles depois reparava no corpo atlético de seus colegas. Suados, naqueles corpos malhados, másculos. Sentia um arrepio. Que loucura!!

Mas chegara a hora. Y já era adulto e teria que seguir seu destino mesmo sendo esquisitão. O chefe dos espermatozoides lhe convocou e disse que participaria da corrida seguinte. Y entrou em desespero pensando o que fazer.

Teria que vencer seus irmãos espermatozoides e, além disso, torcer para encontrar um óvulo. Y conhecia casos estarrecedores de companheiros que pararam em redinhas (que os humanos chamam de camisinhas), vasos sanitários e até gargantas. O pobre espermatozoide tentando fecundar uma amídala pensando que era óvulo e indo parar no esôfago. Uma tragédia.

E ele não conseguia se imaginar fecundando um óvulo. Um ser feminino? Tocar nele? Acariciar?

Pensou em fugir de casa, mas não tinha para onde ir. Pensou em se esconder, mas lhe achariam, pensou até em inventar que estava doente, mas espermatozoides não ficam doentes. Teria que ir para a “guerra”.

Chegado o dia Y nem conseguiu dormir. Escreveu em seu diário a tristeza de ser um espermatozoide diferente e viver de aparências. Pernoitado foi para a pista onde se iniciava a corrida cabisbaixo, semblante abatido. Enquanto todos os espermatozoides transpiravam confiança ele era a imagem da derrota.

O juiz autorizou a corrida e enquanto todos os espermatozoides correram para um lado Y correu para outro para espanto do juiz que mandou a polícia atrás dele. Sim, existem espermatozóides policiais, o negócio é profissional.

Y correu em disparada com os policiais atrás até que conseguiu se esconder. Chorando, assustado em um local escuro Y se sentiu sozinho, perdido e sem saber o que fazer. Ele só queria ser feliz, andar tranquilamente no saco escrotal que nasceu e poder se orgulhar...Não, isso já é um funk. 

De repente uma luz forte brilhou e Y tapou os olhos com as mãos. Uma luz tão forte que parecia cegar. Quando a luz diminuiu olhou e reparou em um espermatozoide vestido como uma fada.

Y coçou os olhos para ver se não sonhava e perguntou o que era aquilo. O ser que parecia a Priscila rainha do deserto respondeu que era a sua fada madrinha

Y começou a rir perguntando desde quando espermatozoide tinha fada madrinha e a fada respondeu que ele era gay e não estava caçoando. Revoltado o espermatozoide respondeu que não era gay, só se sentia diferente. A fada mandou que ele ficasse quieto e disse que ele tinha direito a um pedido.

Y perguntou se aquilo era sério e a fada mandou que ele decidisse logo, pois não tinha tempo e rapidamente a polícia lhe acharia. Ele pensou, pensou e a fada deu uma bronca mandando que ele escolhesse logo virar humano e Y respondeu que sim, era isso que ele queria.

A fada respondeu que faria seu desejo, mas com uma condição. Ele nunca poderia beijar uma humana. Y concordou dizendo “o que quero mesmo é ver um show da Barbra Streissand”. A fada ironizou falando baixinho “depois diz que não e gay” e bateu com sua varinha em Y.

Y acordou em um lugar estranho. Ouvia barulho de carros, aviões passando, pessoas andando, tudo bem diferente do que era acostumado. Abriu os olhos e viu um monte de gente olhando para ele. Não entendeu o porque.

Foi quando reparou que estava completamente nu e deitado no meio da Av. Rio Branco, no Rio de Janeiro em pleno fim de tarde, quer dizer, hora de pico na cidade.

Uns guardas municipais chegaram e perguntaram o que significava aquilo. Y nem conseguiu se explicar, uma senhora gritou “tarado”
e o pobre espermatozoide foi levado preso.

Na delegacia foi levado coberto por um pano ao delegado que perguntou porque ele estava nu em plena Av. Rio Branco. Y foi sincero e respondeu que era na verdade um espermatozoide que fugiu da corrida para fecundar o óvulo e graças a sua fada madrinha transformou-se em ser humano. Salientou no fim que não era gay apesar de todos acharem.

O delegado ouviu a tudo atentamente. No fim olhava Y sem falar nada e o pobre espermatozoide perguntou se estava liberado. O delegado gritou “leva pro hospício” e assim Y parou no manicômio.

Y, o pobre e infeliz espermatozoide, tinha sonho de ser humano e se livrar da corrida de fecundação, acabou taxado como maluco. No hospício abandonado, amargurado, longe de qualquer cd da Barbra Streissand Y pensava em seu infortúnio quando um rapaz se aproximou.

Rapaz: Oi prazer, me chamo Napoleão Bonaparte, sou imperador da França.

Y: Prazer é meu sr imperador, me chamo Y e sou um espermatozoide.

Rapaz: Ih cara, você é maluco..

Y e “Napoleão” criaram amizade. A primeira da vida de Y. Napoleão não aguentando mais viver no hospício arrumou uma estratégia de fuga. De noite os dois se encontraram no pátio e Napoleão mostrou uma escadinha feita com palitos de fósforos.

Y olhou desconfiado e perguntou como fugiriam numa escadinha
daquelas. Napoleão respondeu que pensou em tudo. Encostou a escadinha no muro e ligou uma lanterna aumentando a escada através da luz.

Y desconfiado perguntou o que ocorreria se alguém desligasse a luz e Napoleão mandou que o espermatozoide parasse de bobagem e subisse logo a escada. Os dois subiram e assim fugiram do hospício.

Cada um foi para seu lado e Y conseguiu emprego como faxineiro de um bar. Lá conheceu pessoas e fez amigos que riam e não levavam a sério sempre que ele dizia ser um espermatozoide. Tinha uma vida feliz, sentia-se bem como humano.

Até que conhecer Rafael. Negão másculo que entregava bebida ao bar em um caminhão.

Rafael notou que Y lhe observava. O rapaz em seu jeito tímido não olhava em seus olhos e Rafael decidiu fazer amizade com ele. Perguntou “E aí brow? Tudo tranquilo” e Y se molhou todo.

Bateram um pouco de papo e quando notou Rafael suando Y sem pensar duas vezes pegou um lenço e limpou o rapaz em sua testa. Rafael pegou sua mão, olhou bem nos seus olhos e disse “obrigado” indo embora.

Perturbado o pobre espermatozoide que virou homem decidiu ir ao  cinema ver “Yentl” . Comia pipoca e chorava emocionado vendo sua musa no cinema. A menina da mercearia que ele convidara para assistir junto pegava a mão do rapaz e tentava colocá-la sobre seu seio, mas Y rapidamente tirava e pegava mais pipoca.

No fim levou a menina até sua casa e no portão agradeceu dizendo que esperava sair de novo com ela. Nisso ela respondeu “Eu também gostei, pena você ser gay” entrado em casa.

Y se desesperou e andou pela rua não aceitando aquela situação. De repente uma chuva torrencial começou e imediatamente Y começou a correr gritando “Não posso estragar minha chapinha”. Y se deu conta do que acabara de dizer e parou no meio da rua gritando desesperado “Meu Deus!! Eu sou gay!!”.

Da calçada ouviu de volta um grito “Eu também!!”

Era Rafael.

Rafael correu até Y. Pegou-lhe em seus braços e deu um beijo apaixonado. Beijo daqueles de cinema. Ao fim Y disse “meu primeiro beijo e justo em um homem”. Rafael respondeu “Foi meu primeiro beijo em homem também”. Y perguntou “Ué? Nunca ficara com homens antes?”.

Rafael tirou o boné que usava soltando o cabelo e respondeu “Não, até te conhecer eu era lésbica”.

Pobre Y. Quando decidiu se assumir gay se apaixonou por uma lésbica, tipo caminhoneira.
 
Abriu os olhos e se viu novamente como um espermatozoide no lugar que se escondera da corrida. Chamou pela fada madrinha insistentemente até que ela apareceu e disse que não poderia fazer mais nada e ele tinha que cumprir o seu destino. Tentou ainda responder que fora enganado, mas em vão.

Os policiais alcançaram Y e o juiz perguntou se ele preferia a cadeia ou participar da próxima corrida. Y resignado topou correr e foi com o juiz para a pista.

Posicionou-se e quando foi dada largada correu. Como nunca correu na vida. Rapidamente disparou, pegou uma grande distância em relação aos outros e viu uma luz a sua frente. Era o óvulo, ele conseguiu. Iria fecundar.

O óvulo surpreso olhou pra ele e disse “não acredito”. Y também não acreditou. Era Rafael. Finalmente conseguiu viver sua história de amor. 

Dessa forma o espermatozoide gay conseguiu fecundar o óvulo lésbico e nove meses depois a família Feliciano ganhou um novo bebê.

Deram o nome de Marcos.


“Midnight not a sound from the pavement
Has the moon lost her memory?
She is smiling alone”


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