A GAROTA DO PARÁ


*Conto publicado na coluna "Buraco da fechadura" do blog "Ouro de Tolo" em 30/11/2013


Não sei se vocês lembram da Bia, a menina que arrasou o coração do Jean em Curitiba. Enfim, ela voltou ao Rio de Janeiro, nunca mais teve contato com o pobre menino apaixonado e namorou só algumas semanas, com o Anderson desmanchando.

E a vida prosseguiu, como a vida de todo mundo. A menina foi crescendo, estudando, namorando, se divertindo, indo a Curitiba ver a avó, até que a senhora veio a falecer, e se formou na faculdade em Relações Públicas.

Naquele período, já namorava Heitor, que curtia mais a malandragem, largou faculdade, estudos e tocava cavaquinho na escola de samba União da Ilha, vivendo de shows e da renda da família.

Apesar de se darem muito bem, principalmente na cama, a “boa vida” do rapaz era motivo sempre de brigas. Bia ameaçou várias vezes largar o músico se ele não arrumasse emprego fixo, e o malandro tentava enrolar e desconversar.

Até que uma vez ela cumpriu a promessa e desmanchou o namoro. Heitor ficou louco, desesperado com a ameaça de perder a Bia pra sempre e fez de tudo para reconquistá-la. Fez música para a amada cantando para ela em serenata, contratou carros de mensagens para ela, comprou e deu de presente um perfume caro que ela tanto namorava e nada. Bia continuava impassível e determinada a não voltar.

Até que Heitor resolveu radicalizar e aceitou arrumar emprego.

Batalhou um pouco e chegou um dia todo feliz na porta de Bia. A moça abriu a porta de casa perguntando o que ele queria e Heitor contou alegre que tinha arrumado um emprego. Bia se surpreendeu e pediu que o músico entrasse e contasse direito aquela novidade e Heitor contou novamente que arrumara um emprego.

Bia, espantada, perguntava em que, e Heitor respondeu como “sushiman”. Ela riu e comentou que ele mal sabia passar uma manteiga no pão e o malandro indignado respondeu que ela não conhecia mesmo suas habilidades.

A moça se sentiu culpada e pediu desculpas ao amado pela desconfiança e fez um carinho em seu rosto. Heitor ainda resmungando perguntou se estava perdoado e eles podiam voltar.

Bia fez cara de “não sei” e Heitor com jeito de cachorro que caiu da mudança pediu uma segunda chance. 

Bia deu um sorriso, abraçou e beijou o novo “sushiman” reatando o namoro.

O rapaz parecia se esforçar mesmo continuando a tocar cavaco pela União da Ilha e Bia passou a confiar em um futuro conjunto. Noivaram e marcaram casamento.

No dia do casório, entrou emocionada na igreja e Heitor, com um sorriso nos lábios, esperou a amada no altar. Ele desceu, recebeu Bia de seu pai e se viraram para ouvir o padre.

O clima era de muito amor e emoção na igreja até a parte em que o padre perguntou se alguém era contra aquele casamento e uma voz feminina gritou “eu!!”.

Todos espantados olharam e uma mulher entrou com uma criança no colo e dois lhe puxando a saia dizendo que não podiam casar porque Heitor já era casado e era pai de seus filhos.

O coro de “oh!!” foi ouvido na igreja e Bia perguntou que história era aquela. Heitor sem graça contou que aquele era um pequeno detalhe de sua vida que nunca tinha contado e a mulher gritou que não era o único detalhe, o rapaz não era sushiman coisa nenhuma e trabalhava em um cassino clandestino.

Mais “oh!!” foi ouvido na igreja enquanto Bia furiosa olhava para Heitor, que deu um sorriso e disse “tudo isso é menor quando e existe amor e o que importa é que a gente se ama”. Bia pegou o buquê, enfiou na boca de Heitor e foi embora furibunda da vida da igreja.

A garota triste parecia se entregar a depressão e os pais pensavam em alguma maneira de animá-la, a mãe teve a ideia de irem a Belém participar do Círio de Nazaré e o pai gostou da solução.

Contaram a novidade a Bia, perguntando se ela queria ir junto. Perguntar a Bia se ela queria viajar era a mesma coisa que perguntar a uma criança se ela queria doce. Bia vibrou e convidou duas amigas, Day e Maju, para irem junto.

O Círio de Nazaré, em devoção a Nossa Senhora de Nazaré, é a maior manifestação religiosa Católica do Brasil e maior evento religioso do mundo, reunindo cerca de seis milhões de pessoas em todas os cultos e procissões e conseguindo congregar dois milhões de pessoas em uma só manhã.

E no segundo domingo de outubro estavam lá segurando a corda que protegia a santa e sua berlinda cantando em homenagem a Nossa Senhora de Nazaré. Depois os pais de Bia aproveitaram para participar da romaria fluvial enquanto Bia e as meninas foram conhecer a cidade.

As meninas aproveitaram para conhecer as comidas típicas da região. Experimentaram o pato no tucupi, a maniçoba e o tambaqui. Foram até o mercado “Ver-o-Peso” consumir doces e sorvetes como Bacuri e Taperebá. Bia louca para consumir Cupuaçu rodou Belém toda desesperada atrás da iguaria e estranhava que todos olhavam para ela enquanto passava.

Até que descobriu estar com a saia rasgada e com a bunda de fora. A moça de início ficou constrangida, mas depois caiu na gargalhada feliz como há muito não ficava. Bia começava a afastar o fantasma de Heitor.

Voltaram ao Rio de Janeiro, mas Bia tinha planos de voltar ao Pará para aproveitar mais aquela cidade hospitaleira que lhe fez tão bem. Retomou sua vida trabalhando bastante, tendo alguns namoricos e combinando com as meninas voltar no meio do ano seguinte à Região Norte.

O tempo foi passando. Veio o Natal, Ano Novo, Carnaval, Páscoa e finalmente a nova viagem ao Pará. Dessa vez estavam sem os pais da moça tendo mais liberdade para passearem. Foram a Belém conhecendo o lado cultural da cidade e depois emendaram ida até a Ilha de Marajó.

Bia sempre gostou de dançar e lá conheceu o Carimbó e o Lundu Marajoara. Aprendeu rapidamente as danças e as meninas também aproveitaram que era época de festa junina.

Saíram do hotel e logo notaram os foguetes explodindo no céu anunciando que era noite de Santo Antônio. Uma grande fogueira foi montada e quadrilhas dançavam ao som de alegres sanfonas.

Day bebia cachacinha da terra, Maju comemorava que sem os pais de Bia facilitava para que elas dessem uns beijos na viagem e a Bia só queria saber de dançar. Já aprendera o carimbó direitinho e não queria saber de outra vida.

Até que de repente apareceu um homem muito bonito e elegante com terno, chapéu e um sorriso de derrubar qualquer uma.

Sua pele era bronzeada, seu andar como de um dançarino e logo o homem chamou a atenção de todas as mulheres da festa. Day parou de beber na hora, cutucou Maju que perguntou “Meu Deus, que homem é esse??”.

A única pessoa que não percebeu foi Bia, que continuava dançando.

O homem passou andando por entre as pessoas que dançavam e não conseguiam deixar de notar sua presença. Alguns caras se irritaram e cutucaram suas acompanhantes que só faltavam babar em cima dele e ele continuou andando até chegar perto da Bia.

De um relance só pegou a moça para dançar. Ela, que estava de costas furiosa, se virou pronta pra dar um tapa na cara e reclamar do sujeito, mas quando viu aquele homem de terno e chapéu não conseguiu ter reação nenhuma. O cara era um “Deus” da dança e com um pequeno sorriso nos lábios rodopiava a carioca enquanto todos paravam pra olhar.

Bia não conseguia dizer nada, só dançava e olhava aquele homem lindo. Dançaram por alguns minutos que pareciam uma eternidade e no fim todos aplaudiram a performance. O homem beijou a mão da Bia e se virou indo embora.

Bia ficou ali no meio da pista em estado catatônico enquanto Day e Maju correram a seu encontro perguntando quem era aquele “Deus”. Bia finalmente conseguiu falar algo e olhando na direção que o homem percorreu disse que não sabia. Maju não acreditou muito e falou que certamente se conheciam, pois, dançaram com uma intimidade e um furor sexual que só a intimidade traz e Bia ainda em estado de choque jurava que não.

No dia seguinte Day e Maju arrumavam as malas para voltarem ao Rio quando Bia entrou no quarto e pediu para que ficassem mais um tempo por lá. Day argumentou que não dava, se programaram apenas pra ficar aqueles dias e Bia insistiu que ficassem até o São João.

Maju contou que não tinha como, elas não tinham dinheiro para tanto e Bia praticamente implorando respondeu que ajudava as meninas a pagar as hospedagens, mas ela tinha que ficar mais alguns dias ali. Day e Maju que estavam de férias no trabalho então não tinham esse problema se olharam e responderam que tudo bem com Bia lhes abraçando.

Day perguntou se aquilo tudo era por causa do homem misterioso que aparecera na noite seguinte e ela respondeu que sim, precisava saber quem era aquele cara e o que ele queria com ela.

As meninas contaram que apoiavam Bia nessa busca e assim as três amigas foram à caça.

Em todos os lugares que iam prestavam atenção para ver se o homem aparecia. O lugar nem era tão grande assim, mas a impressão que dava era que ele tinha sumido como fumaça. Não deixou vestígios, pistas nada.

Bia se lamentava e falava que nunca mais conseguiria encontrá-lo, pois, iriam embora logo após o São João e Day respondia para ela não desanimar porque já que conhecera em um festejo talvez lhe encontrasse em outro.

Os dias se passaram e nada realmente de encontrar até que chegou a festa de São João e assim a esperança renasceu.

Bia dançava com as amigas atenta a tudo que ocorria até que uma delas cutucou dizendo “olha”.

Era o homem. Elegante em terno e chapéu como da outra vez e parecia cada vez mais lindo. Novamente foi abrindo passagem e passou por Day e Maju pegando na mão de Bia para dançar.

Dançaram como da outra vez e Bia parecia se sentir nas nuvens. Estava completamente louca, apaixonada por aquele homem e não sabia nada sobre ele, queria ficar com ele pra sempre, necessitava ser sua.

A música acabou e novamente ele tentou se despedir. Bia segurou firme seu braço e disse “vem comigo”. 

Levou o homem até o bar pediu dois copos com cachaça e pediu que ele falasse um pouco sobre sua vida, quem ele era.

O homem bebeu a cachaça e viu um casal se aproximando com a esposa falando “para” e o marido gritando “hei, você”. Quando Bia olhou para o lado o homem havia desaparecido e ela não tinha a mínima ideia de pra onde foi.

O tal marido esbravejando perguntou a Bia se ela conhecia aquele safado e ela respondeu que não então ele disse que o tal homem elegante havia engravidado sua esposa e que aquilo não ficaria assim, lhe pegaria mais cedo ou mais tarde.

Saiu puxando a mulher enquanto Maju dizia que Bia escapara de boa porque aquele era tão safado quanto Heitor.

Bia virou para as amigas e pediu para ficarem mais alguns dias. Day perguntou se ela era louca e se não havia acabado de ouvir o que aquele homem falou e ela respondeu que não interessava implorando para que as amigas ficassem.

Maju respondeu que não dava, pois, voltariam ao trabalho na segunda e Bia resignada respondeu que tudo bem, elas voltariam para o Rio, mas ela ficaria até a festa de São Pedro.

As amigas falavam que ela estava maluca, iria perder o emprego, mas Bia enfeitiçada respondeu que não importava, queria saber quem era aquele homem.

Day e Maju foram embora e Bia ficou lá sozinha trancada no quarto do hotel olhando pela janela esperando o dia chegar e chegou. Ela sentada no bar esperava o homem aparecer até que ele surgiu.

Bia foi até a ele que fez sinal para que lhe acompanhasse. A moça perguntou se ele não lhe chamaria para dançar e o homem andou em direção a floresta se virando e chamando por ela com o dedo.

Bia sem medo acompanhou e eles foram até a beira do rio. Ele deu um sorriso para ela e pulou na água. Bia olhou por alguns segundos, fechou os olhos e pulou atrás.

Algum tempo depois um boto foi visto dando um salto na água. Bia nunca mais foi vista.

Achou seu amor no Pará, no fundo de um rio.


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