SEMANA DEZ ANOS: DONA CAROLA



 
O “Trocando em Miúdos” inicia sua temporada 2015 de forma oficial com uma série especial. De hoje até sábado homenagearei minha mãe pelos dez anos de sua morte que serão completados dia 4 de abril.

Começo essa homenagem com algo inédito em meu blog. Uma republicação. Esse conto, escrito originalmente em 1998, foi publicado pela primeira vez no blog “Ouro de Tolo” em 25/8/2012 e republicado aqui em 7/5/2013. O conto deu origem a peça “Dona Carola”, a minha peça mais acessada no site “Recanto das letras” e em processo de encenação por várias partes do país.

Republico aqui para tratar de bom humor o assunto “mãe”. De todos os personagens que criei até hoje Dona Carola é a mãe símbolo. Uma lunática que no fundo ama e protege seu filho como todas as mães fazem.

Com vocês, iniciando essa homenagem, Dona Carola.

Ter mãe superprotetora não é fácil e Henrique era um rapaz que conhecia bem esse drama.
Henrique era filho único de uma mulher que ficou viúva bem jovem, então dedicou a vida a esse filho. Dona Carola, mulher dos tempos antigos, religiosa fervorosa, moralista ferrenha e que seguia preceitos bem antigos.

Henrique tinha que seguir essa cartilha. Mesmo sendo um rapaz de trinta anos, formado em economia na PUC e trabalhando no Banco do Brasil, era visto por dona Carola como o “filhinho da mamãe”.

Ele nunca deixou de morar com a mãe, por achar mais cômodo e para não deixar a pobre senhora sozinha, mas isso interferia em sua vida e fazia que o marmanjo fosse tratado como criança.

Dona Carola quem o acordava de manhã e quando Henrique sentava à mesa para o café ela já estava posta com tudo que ele gostava. Leite, achocolatado, suco, pão, margarina, requeijão, presunto, queijo e um delicioso bolo de fubá que só dona Carola sabia fazer.

Henrique despedia-se pro trabalho pedindo benção a mãe e dona Carola entregava uma marmita a ele com o almoço por não querer que o filho comesse besteiras na rua. Também entregava um guarda chuva e um casaco mesmo no verão senegalesco do Rio de Janeiro e que nenhuma nuvem passasse nem perto da cidade.

Era por precaução, dizia dona Carola. 

E dona Carola passava o dia tomando conta da casa, rezando e ligando para Henrique no trabalho querendo saber se estava tudo bem, se ele se alimentou direito e reclamando que estava passando mal. Dona Carola tinha uma saúde de ferro, mas era hipocondríaca.

Como vocês podem ver as coisas não eram fáceis para Henrique e já imaginam como era para o rapaz namorar.

Arrumou muitas namoradas ao longo dos anos, mas nada dava certo. Nenhuma agüentava dona Carola e ela não suportava nenhuma. Era inimizade à primeira vista e a velha senhora sabotava tanto as relações de seu filho que ele acabava sendo largado.

Dona Carola queria Henrique só para ele.

Na cabeça da mãe nenhuma mulher prestava; só que Henrique já trintão sentia necessidade de conhecer uma mulher legal, se apaixonar e constituir sua família. Dona Carola não viveria para sempre, ele não poderia ser eternamente o filhinho.

Nessa situação que Henrique começou a reparar numa mulher que começara a trabalhar recentemente no banco. Branca, cabelos negros, cheia de charme… Linda. Ela devia ter a faixa etária de Henrique e ele resolveu conhecê-la melhor.

Aproximou-se e papo vai, papo vem, tornaram-se amigos. Descobriu que ela se chamava Carla e um dia Henrique convidou a moça para jantar. Enganou a mãe dizendo que faria hora extra no trabalho e levou Carla ao cinema e depois para o jantar romântico.

Jantaram e Henrique levou Carla de carro até sua casa. Estacionados na frente da residência deram o primeiro beijo e a coisa foi ficando mais ardente até que Carla convidou Henrique para entrar.

Henrique se animou com o convite, mas na hora de dizer sim e adentrar os aposentos com aquela gata estonteante seu celular tocou. Era dona Carola dizendo que estava tonta e com sensação que desmaiaria.

Henrique desligou o telefone pedindo desculpas a Carla e contando que teria que ir embora, pois, sua mãe não passava bem. Carla ficou frustrada, mas disse que entendia e que mãe era importante.

Henrique voltou para casa e continuou saindo com Carla sempre que dona Carola não tentava atrapalhar. Começaram a namorar e Carla levou Henrique para almoçar em sua casa e conhecer seus pais.

Depois do almoço Carla cobrou que o namorado fizesse o mesmo e levasse a ela para conhecer sua mãe. Henrique engasgou com o licor que tomava e respondeu que não sabia se era uma boa.

Carla perguntou se Henrique tinha vergonha dela e o rapaz respondeu que não, muito pelo contrário e que o problema era sua mãe, uma pessoa difícil. Carla não aceitou aquela conversa e exigiu que Henrique marcasse para se conhecerem.

Resignado o rapaz voltou para casa e contou à mãe que estava namorando e queria que ela conhecesse sua escolhida. Dona Carola fez cara de poucos amigos, mas topou mandando que o filho levasse a namorada em casa.

Henrique levou Carla e dona Carola para almoçar em um restaurante e Carla tentou ser toda simpatia tratando a velha bem, mas dona Carola não era fácil: parecia zagueira do Bangu.
Dona Carola olhava sério para Carla o tempo todo, não dizia uma palavra e olhava fixamente a menina que se constrangia. O clima na mesa era pesadíssimo e um momento Henrique levantou para ir ao banheiro.

Com o rapaz ausente dona Carola perguntou a Carla quais eram suas intenções com o filho.

Carla sem graça respondeu que as melhores possíveis, ela queria casar com Henrique e ter filhos. A senhora respondeu que nunca, só passando por cima de seu cadáver e que ela costumava comer o fígado das pretendentes de Henrique com molho ferrugem e salada de alface.

Carla sentiu um arrepio na espinha e Henrique voltou à mesa perguntando se estava tudo bem. Carla assustada respondeu que sim e dona Carola, sorridente, pediu mais vinho ao filho.

Henrique e Carla continuavam o namoro, com dona Carola tentando atrapalhar de todas as formas. A moça pensou em ensaiar um “ou ela ou eu”, mas sabia que se daria mal nisso e resolveu seguir a política do “se não pode vencer, una-se a ela”.

Chegou num sábado à tarde na casa do namorado levando o vinho preferido da sogra que, surpresa, agradeceu à nora. Henrique também ficou surpreso e perguntou que novidade era aquela. Sem responder Carla contou que tinha mais uma surpresa e tirou um ingresso do bolso.

Dona Carola perguntou o que era aquilo e Carla respondeu que era um presente. A moça sabia que dona Carola era louca pelo filme “O mágico de Oz” e soube que o filme totalmente resmaterizado fora relançado em um cinema do centro da cidade. Quis dar o ingresso de presente.

A velha ficou exultante, pela primeira vez deu um sorriso para a nora e deu um beijo em seu rosto agradecendo pelo presente. Entrou correndo em seu quarto para se arrumar e ver o filme enquanto Henrique abraçava a namorada elogiando a idéia.

Dona Carola foi ao cinema enquanto os pombinhos ficaram em casa namorando. Ela entrou na sala e achou esquisito estar meio vazia e só ter homens dentro. O filme começou e a velha senhora se encantava em rever a pequena Dorothy e seus amigos. Ela lembrava cada pedaço da história, cada música, mas algo estava diferente.

Ela via o filme e se espantava pensando “a história não era assim”. Dona Carola se assustava cada vez mais até que ao ver Dorothy fazer certas coisas com o homem de lata deu um grito e desmaiou.
Algum tempo depois, no auge dos amassos, Henrique recebeu telefonema pedindo que fosse com urgência ao cinema. Ele foi e lá descobriu que sua mãe estava morta: infarto fulminante.

Henrique chorava a perda da mãe e Carla tentava entender o que ocorrera. Até que prestou atenção aos letreiros do lado de fora do cinema: não era “O mágico de Oz” que passava ali, era “O sádico de Oz”, um filme pornô.

Dona Carola foi enterrada e Henrique se viu sozinho. No meio daquela solidão percebeu que estava livre e mesmo com saudades da mãe notou que poderia fazer o que quisesse.
Ligou para Carla pedindo que ela passasse em sua casa. A namorada entrou e ele foi logo jogando a moça na parede, beijando e tirando sua roupa. Era livre, ninguém mais iria lhe impedir, até que ouviu um grito “que pouca vergonha é essa?”.

Parou, olhou para o lado e Carla perguntou qual era o problema. Henrique perguntou se a namorada não tinha ouvido nada e ela respondeu que não, o rapaz então decidiu deixar pra lá e continuou beijando até que ouviu um “para Henrique!!”.

Henrique soltou a namorada, olhou para o lado e deu um grito: “mãe??”. Era dona Carola, estava lá assombrando o filho e Carla perguntou o que ocorria. Henrique assustado perguntou se ela não via sua mãe ali e Carla respondeu que não e que o namorado precisava descansar indo embora.

A vida de Henrique virou um inferno. A todos os lugares que ia sua mãe estava do lado e só ele via. Isso foi fazendo que o pobre Henrique começasse a ter problemas no trabalho e pior, com Carla.

Todas as vezes que os dois ficavam sozinhos seja na casa de um deles ou motel dona Carola aparecia e Henrique começava a brigar com a mãe. Como só ele via o fantasma de dona Carola, Carla começou a pensar que o namorado estava louco.

Essa situação levou ao desgaste do namoro e seu fim. Carla não queria ver Henrique mais nem vestido de verde e amarelo e pediu transferência para outro banco.  

Henrique ficou solteiro, tentou conhecer outras mulheres, levar para seu apartamento, mas dona Carola era implacável e nada dava certo. O rapaz já se encontrava em desespero por não conseguir se livrar da mãe e se abriu com um amigo, que achou uma solução.

Levá-lo a um terreiro.

O amigo levou Henrique a um centro e lá o Pai de Santo disse que tinha a solução. Recebeu um preto velho e passou uma série de coisas que Henrique teria que fazer e assim despachar sua mãe para o além.

Henrique seguiu à risca as recomendações do preto velho e arriou um despacho na esquina de casa. Não encontrou galinha preta e da esquina ligou para o amigo perguntando se podia usar caldo maggi. O amigo puto respondeu que já era quatro da manhã e não enchesse o saco. Desligou – e Henrique resolveu usar o caldo mesmo.

Henrique fez a macumba e ela deu certo. Percebeu com o tempo que a mãe não aparecia mais. Ele estava livre. Henrique foi até a igreja preferida de sua mãe, acendeu uma vela para ela pedindo desculpas pela macumba e clamando que sua alma fosse para um bom lugar.

Com as semanas passando e vendo que tudo estava resolvido decidiu procurar Carla em sua nova agência bancária. Com um buquê de flores na mão pediu desculpas a ex namorada por todas as confusões, disse que estava tudo resolvido e pediu uma nova chance.

Carla amava Henrique, deu um sorriso, pegou o buquê e lhe deu um beijo apaixonado sob aplauso de todos.

De noite Henrique e Carla entraram no apartamento do rapaz se agarrando e tirando a roupa. Com o pé Henrique abriu a porta do quarto e quando entraram deu um grito.

Carla se irritou, disse que o rapaz não tinha jeito e foi embora largando o coitado lá sozinho olhando aquela imagem dantesca em sua cama: Dona Carola pelada rindo abraçada ao preto velho.

Não há lugar melhor que o nosso lar… 

 
*Bem vindos a temporada 2015 de “Trocando em Miúdos” 

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