QUINZE ANOS: CAPÍTULO I - MARÇO


Céu azul com poucas nuvens. Ótimo dia para andar de caça e derrubar inimigos e eu estava disposto a derrubar um a um depois que derrubaram meu melhor amigo que hoje é apenas saudade em nossos corações.

Amigos, eu estava endiabrado. Derrubei um, dois, três..os caças soviéticos caíam um a um. Eu era o melhor piloto de caças dos Estados Unidos e se dependesse de mim nossa soberania estaria sempre resguardada.
Meus companheiros foram sendo abatidos fiquei com pouco combustível e cercado, mas com uma grande manobra fiz com que os inimigos se chocassem e aos poucos graças a mim fomos vencendo a resistência inimiga. Todos foram aniquilados e do chão aplausos entusiasmados eram dados graças a minha atuação.

Desci com meu caça e ao pisar no solo fui cercado pelos meus companheiros de equipe e posto em seus braços. Eu só pedia que não mexessem no meu cabelo que demorei tanto penteando de manhã. Modéstia a parte eu com aquela roupa de aviador e óculos escuros parecia um galã de cinema.

Parecia o Tom Cruise.

Avistei minha namorada. Uma loira espetacular. Desci dos braços de meus companheiros e andei em sua direção. Frente a frente com ela tirei os óculos e dei um sorriso.

Ela passou a mão em meu cabelo enquanto eu dizia “cuidado baby, o gumex demorou a pegar”.

A loiraça sorriu pra mim feliz e comentou..

- Mais uma vez você manteve o mundo livre e a democracia plena

Olhei pra ela fingindo estar sem jeito e de canto de olho respondi

- Take my brake away

Beijamo-nos apaixonadamente quando uma pessoa começou a cutucar meu ombro mandando que eu levantasse porque estava atrasado. Surpreso indaguei “como assim atrasado?”.

Ao indagar dei de cara com minha mãe ao lado de minha cama cutucando meu ombro para que eu acordasse avisando que eu estava atrasado para meu primeiro dia de aula.

É amigos, infelizmente tudo que relatei acima foi um sonho. Eu não era “top gun” eu era um menino gordo de quinze anos de idade atrasado para seu primeiro dia de aula.

Tentei argumentar com minha querida mãe que não queria ir ao colégio naquele dia, mas em vão. Dona Regina não dava chance e falou que se eu não levantasse esquentaria minha bunda.

Levantei dando beijo de bom dia e fui para o banheiro tomar banho.

Tentei levar uma playboy comigo e ela respondeu “nada de revistas o senhor está atrasado”. Saco, nem minha vida sexual posso ter em paz..

Tomei banho, coloquei o uniforme azul chamativo do AME..é meu colégio se chamava AME Associação Moderna de Ensino e sentei à mesa com minha mãe e minha avó.

Minha mãe, como já disse se chamava Regina. Era estudante de serviços sociais e fazia estágio de dia em um presídio. Minha avó Lieida professora de Artes Plásticas dava aula em um colégio municipal e às vezes eu era obrigado a assistir as aulas por não ter com quem ficar em casa.

Sim, elas não me deixavam sozinho em casa. Eu era capaz de derrubar caças soviéticos, mas não me deixavam ficar em casa sozinho para fazer orgias com loiraças peitudas.

Nem jogar atari com meus amigos virgens como eu.

Comi um pão com manteiga e preparava o segundo quando minha avó lembrou que eu estava de regime. Sim, eu estava de regime, mas não porque queria, mas porque ela me levou a uma médica. Eu nem era tão gordo assim passava com facilidade pela roleta do ônibus e achava aquilo uma perseguição.

Não comi o segundo pão e minha mãe mandou que eu fosse logo escovar os dentes para sair.

Só morávamos nós três em casa. Tinha também meu tio Junior, mas esse mal parava aqui iria casar em breve e praticamente morava na casa da noiva. Minhas tias Rachel e Rosanne já casaram.

Minha tia Rachel morava em Curitiba e tia Rosanne em Niterói. Minha avó era separada de meu avô, o temido “Coronel” que morava em Brasília e minha mãe sempre foi sozinha, acho que nem chegou a morar junto com meu pai.

A casa tinha nove quartos, seis banheiros e naquele instante só moravam três pessoas e três cachorros. A Luana que ganhou esse nome graças ao personagem “Luana Camará” de Regina Duarte na novela “Sétimo Sentido”, Xuxa por motivos óbvios e Rex, que foi homenagem a ninguém.

Luana uma fila brasileira detestava a Xuxa, pintcher e quando se encontravam o pau comia. A coitada da Xuxa era toda remendada, o Rex era o único que conseguia frequentar toda a casa. Foi presente do Ventania que vinha a ser namorado da minha avó.

Minha avó só daria aula de tarde então coube a minha mãe me levar ao colégio.  Abri os portões de casa e minha mãe entrou no passat velho para ligá-lo. Carro velho de manhã era uma droga. Ela tentou por vários minutos ligar e não conseguiu.

Desistiu e me deu um dinheiro dizendo que era pra eu pegar um ônibus e ir pro AME. Olhei o relógio e disse que não daria tempo, eu chegaria atrasado. Minha mãe respondeu que sentia muito, mas era o único jeito.
Olhei por um tempo pra minha mãe que gritou “vai logo” então corri.

Gordo correndo é uma desgraça. Corria pro ponto de ônibus enquanto os garotos da minha rua gritavam “Vai ter futebol aonde? A bola já está correndo..” desgraçados..cheguei no ponto de ônibus já suando devido o calor infernal do Rio de Janeiro e consegui pegar um busão.

Cheguei à frente do colégio cinco minutos atrasado. Resignado, assumi a derrota fui até a porta tocando a campainha.

Seu Juarez, um senhor de idade porteiro do AME abriu a porta e disse que eu estava atrasado. Pedi desculpas e perguntei se ele podia quebrar aquela pra mim.

Ele apenas estendeu a mão. Era a senha pra pedir minha caderneta de estudante. Derrotado entreguei e ele carimbou “atrasado”. Perguntei onde ficava a turma 17 e ele me respondeu que era subindo as escadas primeira porta a direita. O número correspondia a horário e série, como era turno da manhã e sétima série era 17.

Subi as escadas em direção a sala. Cheguei à frente da porta e respirei fundo já sabendo que aturaria gozações. Bati na porta e a professora respondeu que eu podia entrar.

Abri a porta e quando o restante da turma me viu começou a gritar e me zoar. A professora, nova no colégio, reclamou que eu estava atrasado e pedi desculpas fechando a porta e andando em direção a uma mesa vazia.

Sentei e ela perguntou meu nome. Respondi Joaquim Quintanilha de Castro Neto, mas todo mundo me chamava de Quinzinho.

Ela virou-se em direção ao quadro negro e continuou escrevendo. Peguei meu caderno, caneta e comecei a copiar já com saudades das minhas férias.

E o ano só estava começando.

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