QUINZE ANOS: CAPÍTULO VII - JUNHO


Chegava para mais um dia de aula e pra meu azar a primeira aula do dia era logo com o professor Martins. Entro na sala atrasado, a turma toda sentada parecendo zumbis ou aquelas crianças de “The wall” e o professor Martins em pé me esperava olhando para eles.

Sem olhar pra mim ele grita que estou atrasado e aquilo merecia uma punição.

Deu-me o livro “O capital” de Karl Marx e ordenou que eu copiasse no quadro. Eu como um aluno obediente obedeci e copiei. Muito tempo depois exausto disse a ele que tinha acabado e o professor respondeu que tinha uma última punição.

Pegou uma camisa do Vasco e mandou que eu vestisse..gritei que não e que aquilo era demais pra mim.
Martins assustado e raivoso olhou pra mim e gritou “o quê?” e respondi que era isso mesmo retirando de minhas costas uma espada de sabre de luz.

A turma em uníssono gritou “ooohhh” e o professor Martins rindo perguntou “Então você é um Jedi?”. Com a cabeça respondi que sim e o professor também tirou das costas uma espada.

Para mais um “ooohh” da turma.

Começamos assim uma luta sangrenta, animalesca, mortal onde um queria a cabeça do outro. Ah não, cortar cabeça é Higlander, enfim..

Eu lutava contra a opressão, a tirania e a força e duelávamos por toda a sala com nossas espadas e os colegas encostados com medo em um canto assistiam a tudo tensos.

Comecei a atacar o professor e consegui arrancar sua espada. Na hora de matá-lo ele se jogou para trás de sua mesa e eu fui atrás para encerrar aquela luta.

Puxei a mesa e para meu espanto o professor ressurgiu todo vestido de preto, com uma máscara, respiração ofegante e uma voz esquisita.

Parei e perguntei o que era aquilo quando ele respondeu..

“Quinzinho, I am your father..”

Desesperado larguei o sabre e botei as mãos na cabeça gritando não. Dessa forma gritando acordei com minha mãe olhando pra mim.

Ela disse que um dia queria estar dentro dos meus sonhos pra ver o que se passava na minha mente quando eu dormia e mandou que eu levantasse, pois, estava na hora da escola.

Por milagre cheguei ao colégio adiantado e conversava com meus amigos sobre o sonho quando o professor Martins surgiu para nos dar aula.

Com medo demos bom dia a ele e ele me olhou, deu um sorriso e respondeu que não sabia se seria um bom dia pra mim mandando que nós entrássemos.

Aquele sorriso nunca mais saiu da minha mente. Era o sorriso do belzebu, do capiroto, do coisa ruim.
Entramos, sentamos e o professor nos disse que tinha corrigido os testes e nos entregaria.

Lembrei dele dizendo que não seria um bom dia pra mim e gelei. Ele disse que entregaria da nota mais alta pra mais baixa e começou a entrega. E nada de chegar minha vez, a cada teste entregue a tensão aumentava.
A minha nota foi a última a ser entregue. Zero.

Sim, zero, simplesmente eu tinha errado tudo.

Olhava o teste sem acreditar no ocorrido e imaginando a cara de minha mãe quando soubesse quando o professor mandou que eu levantasse.

Levantei e comigo de pé Martins mandou que todo mundo me olhasse porque eu tinha tirado zero. Senti-me humilhado, ofendido, a vontade que eu tinha era de matá-lo..boa ideia, por que não? Quando ele voltou a olhar pra mim eu já apontava uma pistola pra ele. Martins se assustou e aconteceu esse diálogo.

Eu: Você acredita em Jesus??
Martins com medo: Sim...
Eu: Pois vai encontrá-lo

Aplaquei meu desejo de matar dando cinco tiros no professor Martins que caiu duro no chão.

A turma no começo ficou assustada, mas depois começou a comemorar jogando os livros pro alto, cantando “The Wall” e me botando nos braços.

Eu era um herói.

Mentira eu fiz nada disso. Eu era o Quinzinho, não o Charles Bronson.

Continuava em pé me sentindo humilhado lhe ouvindo falar quando ouvimos risadas na sala.
Era o Nelson, a gente não se dava. O professor notou e perguntou quanto ele tirou. Nelson cheio de orgulho respondeu que nove e Martins retrucou que era mentira, era zero também abrindo um caderno sobre sua mesa e modificando a nota do garoto.

Eu segurei o riso enquanto o Nelson quase chorando pedia pelo amor de Deus que o professor não fizesse isso e Martins mandava que ele também ficasse de pé porque agora eram dois com zero.

Naquele instante já não me sentia tão humilhado.

Nelson entrou para a turma no ano anterior e nossa relação nunca foi boa. Ele fazia com os gordos da sala, eu e os Edsons, Edson Carlos e Edson Luis o que chamamos hoje de “bullying”, mas eu sempre fui “respondão” não deixava barato e muitas vezes os ânimos se acirraram.

E naquele dia se acirraram de vez. Na hora do recreio discutimos devido a situação na aula de geometria e se acirraram de tal forma que tentamos brigar.

Meus amigos e outros alunos se meteram no meio para não deixar enquanto nós dois nos xingávamos e jurávamos de morte. Nossa como éramos violentos..

Eu estava furioso como poucas vezes na vida e consegui com as pontas dos dedos encostar o rosto do Nelson dando um pequeno tapa, coisa mínima mesmo. Depois disso o sinal tocou e tivemos que entrar.
Só que na sala de aula a situação aumentou. A briga e meu tapa foram colocados como algo muito maior e para quem não presenciou a imagem que chegava era outra coisa.

Para quem não viu parecia que eu e Nelson estávamos em um ringue de boxe extenuados, feridos, último round com o povo de pé aplaudindo e eu em um último esforço lhe dava um soco que garantia minha vitória por nocaute.

E com Nelson no chão e o público entusiasmado eu com o rosto todo arrebentado chegava perto das cordas sem enxergar direito gritando pela Ericka e sem perceber que ela se aproximava e olhava pra mim dizendo que me amava.

Para os meus amigos eu tinha “olhos de tigre”.

Enquanto Nelson se envergonhava do tapa e eu por saber que estavam exagerando mais gente descobria o que ocorreu no recreio. A diretora foi até a sala de aula e mandou que fôssemos a sua sala.

Cheios de medo fomos para a secretaria e sentamos na sala esperando pela diretora. Ela sentou e perguntou o que tinha ocorrido.

Ao mesmo tempo contávamos nossas versões de forma atabalhoada sem que ela entendesse nada e a diretora mandou que ficássemos quietos.

Ficamos e ela disse que daria advertência em nossas cadernetas e queria assinatura de nossas mães para o dia seguinte.

Enquanto pedíamos para que ela não fizesse isso a diretora afirmou que aquela não seria a única situação.
Completou que colocaria nossos nomes na turma de teatro e assim teríamos algo produtivo para gastar nossas energias.

Imploramos para que ela não fizesse isso, mas em vão novamente. As aulas de teatro eram nos dois últimos tempos de aula das sextas-feira e eu adorava porque não era obrigatório e assim podia ir embora antecipar meu fim de semana.

Mas aquela mamata tinha acabado, teria que fazer teatro.

A diretora Maria Helena pediu que fizéssemos as pazes. Nelson estendeu a mão pedindo desculpas e retribuí apertando sua mão. A diretora deu um sorriso e afirmou que era assim que meninos de bem e íntegros agiam, que estávamos de parabéns e podíamos voltar a sala de aula.

Sorrimos para ela, nos despedimos e saímos da sala.

Do lado de fora Nelson me chamou de baleia e eu lhe chamei de dumbo.

Levei a caderneta para minha mãe além de dar a notícia da nota zero. Evidente que ela ficou furiosa e me deu grande bronca dizendo que não deixaria mais meus amigos dormirem sexta em nossa casa.

Pedi a ela desesperado que não fizesse isso, pois, já estava tudo combinado e ela respondeu que então me deixaria uma semana sem vídeo game e eu não iria quarta no Maracanã ver Flamengo x Botafogo com Mauro e Batista.

Tentei argumentar e minha mãe brava respondeu que era uma coisa ou outra, resignado aceitei.

Lamentava que perderia a chance de ver o Flamengo ser campeão carioca de dentro do estádio. Evidente que o Flamengo seria campeão, ele tinha Zico, Bebeto e o Botafogo não era campeão há vinte e um anos.
Sentei na sala com balde de pipocas, refrigerante e camisa do mengão e até que o jogo começou bem. O time jogou melhor no primeiro tempo que acabou 0x0.

Logo aos doze minutos do segundo tempo Mauricio do Botafogo empurra Leonardo do Flamengo e faz 1x0.

No momento eu tinha pipoca na boca e me engasguei. A tensão tomou conta de mim e ela virou desespero a medida que o tempo ia passando e o Flamengo não conseguia empatar.

Até que o jogo acabou e o Botafogo foi campeão depois de vinte e um anos. Via o Paulinho Criciúma do Botafogo chorando na tv e eu lá sentado no sofá da sala estarrecido não conseguia pronunciar uma palavra.

Ainda bem que não fui ao jogo.

No dia seguinte fui sacaneado por vários alunos do AME devido a derrota do Flamengo e tive que aceitar as gozações em silêncio até que Ericka se aproximou de mim.

Perguntei se ela também me gozaria pelo Flamengo ter perdido ter perdido e Ericka respondeu que não porque também era Flamengo e tinha um primo das divisões de base do clube chamado Djalminha e que eu prestasse atenção nele que seria um craque.

Ela disse que foi até a mim pra saber se era verdade que eu entraria pra turma de teatro. Resignado respondi que sim por livre e espontânea pressão da diretora.

Ericka sorriu e respondeu que fazia parte da turma e seria legal que eu fizesse também. Tomei um susto e sorrindo perguntei se ela achava mesmo. Ela respondeu que sim e que eu iria adorar.

Estava começando a gostar.

No dia seguinte cheguei empolgado para minha estreia nas artes e na hora do teatro vi meus amigos indo embora e eu ficar. Combinamos que sete da noite estariam em minha casa.

Fui para outra sala com alguns colegas de classe que faziam parte da turma de teatro, entre eles Ericka, Raquel e Nelson e dei de cara com a professora Suely de inglês. Ela era uma de minhas professoras preferidas junto com o Oswaldo de técnicas comerciais e o Paulo de geografia, mesmo indo mal em sua matéria.

Perguntei o que ela fazia lá e Suely devolveu a pergunta querendo saber por que eu estava. Respondi que a diretora tinha mandando a mim e o Nelson assistir as aulas e ela sorriu dizendo que era a professora.
Abri também um sorriso e realmente começava a gostar da ideia da aula de teatro.

Fizemos alguns exercícios corporais, umas brincadeiras e terminamos com esquetes. Pequena história que nós mesmos criamos e desenvolvemos. Ericka viveu papel de minha namorada e eu adorei. Nelson parecia não gostar da aula e eu já estava completamente adaptado e esperando a aula seguinte.

A professora Suely perguntou se eu queria fazer parte do elenco que montaria uma peça em dezembro e eu topei na hora.

A peça seria “D. Chicote e Zé Chupança”, uma adaptação de “D. Quixote de La Mancha” e eu faria o papel de um fanho.

De noite com meus amigos estava empolgado falando do teatro e eles com cara de entediados. Estávamos só os seis no meu terraço e Rodrigo comentou que legal mesmo seria se contássemos histórias de fantasmas.
Gustavo contou história da mulher que vivia nos banheiros atacando os homens que fossem urinar e George da mulher morta que pedia carona nas estradas. As duas histórias assustadoras, ainda mais com o cair da madrugada.

Do nada comentei que tinha uma casa na rua ao lado que diziam ser mal assombrada. Os meninos se interessaram e pediram que eu falasse mais sobre. Contei que tinha uma casa lá que estava há anos fechada. casa grande, abandonada e que o comentário que era mal assombrada. Gustavo destemido como sempre deu a ideia de irmos lá.

Argumentei que era melhor não, estava legal no meu terraço, mas George e Luis Felipe logo deram apoio a Gustavo, depois Rodrigo e Marco também.

Gustavo perguntou se eu iria ficar com medo ou me juntaria a eles na expedição. Enfurecido levantei e disse que nunca fugia de uma batalha e que iria junto.

E assim fui, cheio de medo.

Chegamos à frente da casa e nos perguntamos como entraríamos. Gustavo foi logo escalando o muro mandando que fizéssemos o mesmo. Um a um foi subindo até que sobrou eu. Tentei uma, duas, três vezes, mas gordo é uma droga pra escalar muros e disse a meus amigos que fossem sem mim porque eu não conseguiria pular.

Coloquei minha mão encostada no portão fingindo lamentar não conseguir pular quando o portão abriu e eu caí no chão.

Levantei e vi o portão aberto com Gustavo me chamando e dizendo que eu estava com sorte.
Assim entramos e percorremos toda a casa, eu claro estava cheio de medo. A casa era daquele tipo antiga, cheia de quartos e estava escura, com poeira, ratos, todo o aspecto de filmes de terror.
  
Andamos toda a casa e sentamos na sala. Gustavo contou que ali sim era legal de contar histórias de terror.
Relutei falando que não era uma boa e mais uma vez perguntaram se eu estava com medo. Irritado falei que não e contamos histórias naquele cenário de terror.

No fim falei que estava tarde e era melhor irmos embora quando Felipe deu a ideia de dormirmos lá. Ri e perguntei se ele estava maluco e falei aos meus amigos que fôssemos logo.

Gustavo respondeu que era uma grande ideia dormir lá. Perguntei se eles estavam todos loucos quando começaram a subir as escadas e Rodrigo dizendo que o quarto maior era dele.
Apavorado deitei no mesmo que o Rodrigo que roncava mais alto que minha avó rezando para amanhecer logo e ir embora dali.

Dormi e dormi pesado como todos os meus amigos quando já de dia ouvimos vozes vindas debaixo.

Encontramos-nos no corredor do segundo andar nos perguntando o que era aquilo e Gustavo conseguiu identificar.

Tinha um corretor na sala mostrando a casa a um casal interessado em comprar.

Felipe ficou nervoso dizendo que se nos pegassem ali poderíamos ser presos, retruquei que bem que eu tinha dito para não dormirmos lá e Gustavo mandou que nos acalmássemos que parecíamos mulherzinhas.
Rodrigo perguntou por George e Marco respondeu que não tinha visto. Ninguém tinha visto o George desde que acordamos.

Apesar de ser dia a casa ainda estava meio escura e o corretor na sala mostrava ao casal falando, com toda sua lábia, das vantagens da compra.

A mulher dizia que já ouvira papo da casa ser mal assombrada e ela parceria ser mesmo e o marido mandava que a esposa parasse de besteiras que fantasmas não existiam. Naquele instante ouviram um ranger na escada de alguém descendo. Olharam e era George com um cobertor que achou na casa envolta do corpo e segurando uma vela acesa.

Os três deram gritos desesperados e saíram correndo achando que era um fantasma.

Ouvimos os gritos e rapidamente descemos e lá encontramos o George que nos olhou e disse que só estava procurando o banheiro.

Nós rimos e gozamos o George dizendo que ele era tão feio que o confundiram com assombração.Saímos da casa no momento que o corretor e o casal entravam em seus carros para irem embora. O corretor nos viu e descobriu que tínhamos invadido a casa.

Ele gritou “espera aí” e percebemos que tinha sujado começando a correr.

Corríamos rindo, felizes. São situações bobas como essa que marcam nossas vidas.

Chegou a segunda-feira e fui ao colégio quando contamos para a turma nossa aventura de final de semana.

Ao voltar pra casa encontrei minha avó chorando e minha mãe consolando.Perguntei o que ocorrera e minha mãe respondeu que chegara uma notificação. Meu avô que há anos estava separado de minha avó queria o divórcio e entrou na justiça para conseguir de forma litigiosa.

O ano chegava ao meio e uma guerra começaria dentro da minha família.


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MAIO

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