QUINZE ANOS: CAPÍTULO X- SETEMBRO


Eu estava no meio de uma festa. Pessoas com brilhantina no cabelo, tocando músicas dos anos 50. Eu olhava uma foto e minha tensão aumentava. Era de minha família e eu desaparecia nela.

Estava com uma guitarra tocando, suando frio e quase desmaiando. Meus pais com aspecto bem mais jovem dançavam no meio da pista e eu precisava que eles se beijassem.

Até que finalmente se beijaram e me vi renascido. Apareci novamente na foto e toquei guitarra como nunca.

Eu parecia um desses grandes guitarristas do rock e quando vi todos pararam de dançar e ficaram me olhando espantados. Olhei em volta e a banda também me olhava parada sem nada entender.
Enxuguei meu suor e disse ao microfone que eles podiam não entender aquele meu estilo, mas seus filhos iriam adorar.

Saí correndo da festa porque teria que pegar meu carro e voltar para 1989. O doutor me esperava perto do relógio da cidade que estava plugado ao meu carro e me faria viajar de volta para o futuro.
Entrei no carro, me despedi do doutor e tentei entregar uma carta a ele como dizeres do futuro, mas ele não aceitou. Ele mandou que fosse logo e liguei o carro partindo em disparada.

Acelerei demais o carro, o raio bateu no relógio e voltei a 1989 quando do nada minha mãe apareceu na frente do carro gritando Quinzinho e eu tive que frear bruscamente para não lhe atropelar.
Abri os olhos e minha mãe gritava meu nome dizendo que já me chamava há cinco minutos e eu estava atrasado.

Levantei, tomei meu café rapidamente, peguei meu busão e corri para o colégio. Como quase sempre cheguei atrasado e entreguei minha caderneta pro carimbo de “atrasado”.

Entrei na sala e sentei ao lado de Luis Felipe que perguntou se eu tinha estudado para a prova de Geometria. Perguntei sobre qual prova ele falava e o Felipe me disse que teria prova naquela manhã.
Eu simplesmente esquecera a prova e entrei em pânico. Estudei bastante nas férias, mas há algumas semanas não olhava a matéria em casa e não estava preparado.

Professor Martins entrou na sala, deu aquele “bom dia” cavernoso e perguntou se tínhamos estudado. Olhou para mim e repetiu essa pergunta.

Eu suando frio menti que sim.

Enquanto ele entregava as provas comecei a sentir dor de cabeça e enjoo. Não dormira muito na noite anterior e tomei meu café de forma apressada e acho que essas situações ajudaram.

Recebi minha prova e nem conseguia enxergá-la direito. Vi que a situação era mesmo séria e perguntei ao professor Martins se podia ir ao banheiro, ele respondeu que não.

Tentei fazer a prova, mas não dava. Perguntei novamente ao professor se podia ir ao banheiro e salientei que estava passando mal, adiantou nada novamente ele disse que não.

Tentei me concentrar, não consegui. O enjoo piorou e não aguentei acabando por vomitar em sala de aula.

Pior, em cima do Luis Felipe.

Só assim para aquele nazista acreditar que eu estava realmente passando mal.

O professor mandou que eu fosse ao banheiro e eu fui enquanto o Luis Felipe injuriado reclamava que estava todo vomitado.

Eu me limpava muito envergonhado e não sabendo como iria entrar novamente em sala de aula quando a diretora do AME apareceu.

Envergonhado pedi desculpas e perguntei se seria punido. Dona Maria Helena respondeu que não. Candidamente respondeu que eu não tinha culpa e essas coisas aconteciam. Conversou um pouco comigo em sua sala e disse que uma vez vomitou em um ônibus em cima de um homem e sentiu muita vergonha. Comentei com ela que eu não teria mais coragem de encarar meus colegas de classe depois do ocorrido.

Ela me disse que eu não devia ter vergonha de nada. Era um aluno maravilhoso e um menino exemplar. Um dos poucos que nunca chegou reclamações dos professores a sua mesa e que eu devia entrar em sala de aula de cabeça erguida.

Respondi que tentaria, mas não naquela manhã. Ela concordou comigo e mandou que eu fosse para casa e que pegaria minhas coisas na sala de aula.

Agradeci e fui para casa.

Mas a verdade é que não tinha apenas a má digestão como problema naquela manhã. Pode ter sido emocional também. O ano de 1989 foi de turbilhão em minha família.

O casamento do Junior, o divórcio dos meus avós, a depressão da minha avó...ela passou dois meses sem sair de casa. Acordava, mal se alimentava, sentava-se em uma cadeira na sala e ficava ali o dia todo olhando o nada.

Não queria ver televisão, tinha medo de tudo e usava e abusava de medicação e tinha que ser tudo no horário que ela queria.

Como eu disse foram dois meses assim e do nada ela ficou boa. Boa até demais.

Certa manhã entrou no quarto, fez as malas e viajou para Maceió sem previsão de volta para ver a família de Fabiola e depois viajou pelo Nordeste sem avisar onde estava nem dar satisfações.
A vida era dela, minha avó podia fazer o que quisesse. O problema era que nossa família vivia das pensões que meu avô enviava. Para ela como ex marido e para mim como menor de idade.
Por que pra mim? Explico.

Oficialmente eu sou filho dos meus avós. Eles me adotaram junto a minha mãe para que eu fosse resguardado. Tivesse direito a essa pensão até os vinte e um anos e ao hospital do Exército quando ficasse doente. Essa era uma grande mágoa de minha mãe. Não ter seu nome nos meus documentos.
E como oficialmente minha avó era minha mãe ela quem recebia minha pensão em seu nome e como ela viajou levou além de sua pensão a minha.

Resumindo. Minha avó foi ao Nordeste e ficamos sem dinheiro.

Alguns anos depois descobrimos que minha avó era bipolar. Capaz de ter depressão, euforia e passar de uma situação a outra em um passe de mágica. Essa não foi a única vez que ela teve os dois problemas e é hereditário porque outros membros de minha família tiveram.

Como eu disse ficamos sem dinheiro. Passamos por grandes dificuldades e eu na inocência dos meus quinze anos nem cheguei na época a ter noção de como a coisa foi difícil. Minha mãe teve que vender o carro e alguns objetos da casa e recebeu ajuda de vizinhos para nos alimentarmos.

Mas ela sempre foi uma guerreira, sempre tentou me passar tranquilidade. A única vez que ela não aguentou foi quando cada um de nós jantava e bebia uma garrafinha de refrigerante e uma mosca caiu dentro do seu.

Eram os últimos refrigerantes. Mal tínhamos dinheiro para nos alimentarmos quanto mais para comprar refrigerantes e ela que sempre adorou aquela marca começou a chorar.

Fiquei com pena e dividi o meu com ela. Rimos muito dessa situação depois.

Nossa cumplicidade aumentou ainda mais nesse período porque éramos só nós dois com aquela dificuldade. O colégio ficou em atraso, mas ela contornou. Arrumou coragem e pediu ajuda ao meu avô explicando toda a situação.

O coronel era durão, mas no fundo era uma boa pessoa, só tinha personalidade forte. Minha mãe também tinha então eles se estranharam muito na vida inclusive no divórcio quando ela foi a única dos filhos que declaradamente apoiou um lado ficando junto a minha avó.

Mas ela o amava muito, chorava ao ouvir a música “pai” de Fábio Jr e se lembrar dele e acredito que meu avô do jeitão dele lhe amava muito também e principalmente lhe respeitava por vê-la como um espelho.

Espero e tenho certeza que em outro plano deram o abraço que tanto precisava e se entenderam.

Meu avô aconselhou que minha mãe lutasse na justiça por minha guarda e começou a dar uma ajuda financeira que nos tirou do estrangulamento, mas a coisa ainda era complicada.

A vida continuou. Eu ganhara uma bicicleta de aniversário e como minha mãe e eu nunca conseguíamos dormir cedo íamos à rua de madrugada para ela me ensinar a andar.

Sim, eu tinha quinze anos e não sabia andar de bicicleta.

Eu até aprendi em partes quando era criança. Aprendi a andar com rodinhas e ia e voltava do judô acompanhado de minha mãe e andando.

Mas um dia eu caí e machuquei o joelho ralando todo. Sou um cara que tenho um defeito, desisto de algumas coisas muito facilmente e em outras mais insistente do que devia, com a bicicleta desisti.
E só oito anos depois, em 1989 decidi tentar novamente com a bicicleta. Íamos pra rua de madrugada, eu tinha vergonha de dia, eu com bicicleta sem rodinhas tentava andar tomando muito tombos e minha mãe não me deixando desistir.

Assim aos poucos eu aprendia.

No dia seguinte ao vômito cheio de vergonha fui ao colégio. Tirando umas pequenas gozações aqui e ali, maior parte do Luis Felipe que, afinal, foi o vomitado ninguém tocou muito no assunto para meu alívio.

Outro alívio que eu tinha é que a Ericka faltara aula no dia anterior e não viu o acontecido. Mas carinhosa perguntou se eu estava bem.
Cada dia mais estava apaixonado por ela. Aos poucos parei de faltar aulas e chegar atrasado só para ter mais tempo com ela. Chegava sexta-feira e eu ficava deprimido doido para chegar segunda. Tinha dias que até minha mãe falava para eu não ir ao colégio e eu insistia para ir.
Quem me conhecia começou a estranhar meu comportamento. Minha mãe perguntava o motivo da mudança e eu envergonhado sem querer dizer que estava apaixonado respondia que era nada demais.
Adorava ver a Ericka chegar ao colégio. Tentava me sentar o mais
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próximo possível dela, mudei o ponto que eu pegava o ônibus só para ficar mais perto dela.

E até evento religioso fui por causa dela.

Ericka e eu fizemos segunda chamada de Geometria por termos perdido a prova. Ela super inteligente como sempre tirou dez e eu nove.

Fiquei muito feliz com o nove e a vontade que eu tive foi de mandar o professor Martins para um lugar não muito legal. Faltava só eu me recuperar em Geografia que eu ainda não conseguia notas legais e precisava de um oito no último bimestre para não ir à recuperação pela primeira vez.

No dia que recebemos as notas de Geometria Ericka comentou comigo sobre o budismo. Ela seguia a religião e ia todos os domingos a cultos. Eu super apaixonado me empolguei e comentei que adorava o budismo e queria ir com ela, se podia.

Toda educada Ericka respondeu “claro que sim”.

Eu não adorava o budismo. Tinha nada contra, mas entendia nada da religião e só falei aquilo para ficar perto dela.

Domingo fui até sua casa e ela me recebeu com sorriso nos lábios. Estava linda e me deu um beijo no rosto que me levou ao céu. Depois sua mãe surgiu, me cumprimentou e perguntou “Vamos?”.

Fomos de carro até um pequeno templo que funcionava em uma casa. Entendi nada do que eles falavam, até porque eu não tirava os olhos de Ericka, mas achei muito bonito tudo que pregavam, todo o ritual.

Acabou que não alcancei meu maior objetivo naquela saída que era me declarar a ela. Aumentava cada vez mais o incômodo de não conseguir falar para ela que lhe amava.

 Gustavo, meu melhor amigo no lado sentimental insistia que eu falasse, que o máximo de ruim que poderia ocorrer era tomar um “não”, mas eu não conseguia.

Apesar de ter tomado muitos “nãos” na vida eu sempre tive grandes problemas com a rejeição.
Setembro era também o mês de aniversário do AME.

Eu tive mais um daqueles sonhos doidos. Sonhei que como presidente do Grêmio Estudantil andava pelo povo em um carro aberto acompanhado da Ericka que era minha primeira dama. Acenava aos populares feliz até que tomei um balaço na cabeça. Depois do tiro minha mãe me acordou.

Dessa vez gostei de ser acordado.

Acordei e fui para o colégio para as festividades do aniversário de sete anos do AME. Colégio novo formado por professores que rapidamente se tornou o melhor colégio da Ilha do Governador e que me deu grande orgulho de ter estudado.

Era uma semana de festividades que juntavam lado cultural e esportivo. Ericka foi atriz principal de uma peça sobre o fantasminha Pluft e eu babei por minha musa que teve uma brilhante atuação.

Por curiosidade a União da Ilha, também se apresentou nas festividades e cantou uma versão de seu famoso samba “É hoje” que tem os versos “Diga espelho meu/se há na avenida alguém mais feliz que eu” e na versão falava do colégio.

Nunca imaginei que menos de dez anos depois eu começaria uma história com a agremiação.

E participei de algumas atividades esportivas. Era titular do time de vôlei da classe graças a meu saque que era muito bom. Única coisa que eu fazia que prestava em esporte e tive a honra de jogar com meus amigos Luis Felipe e Rodrigo que eram maravilhosos jogadores.

Mas perdemos logo o primeiro jogo e fomos eliminados.

No futebol eu era reserva e última opção. O time da turma era muito bom e foi ganhando, ganhando até chegar à final.

Chegamos à final enfrentando a turma da oitava série com toda aquela rivalidade que eu contei capítulo atrás. O “pau quebrou” durante o jogo e vários jogadores saíam contundidos, mas nada de gol.

No primeiro tempo Marco bateu uma falta e errou de propósito. Conseguiu mirar e acertou a janela da sala da oitava série quebrando a mesma e provocando uma confusão generalizada no jogo com dois expulsos de cada lado.

Eu do banco me imaginava pegando uma lata de espinafre, comendo, me tornando o Popeye e entrando em campo para resolver a final. Mas minha realidade era o banco vendo todo mundo entrar menos eu.

A final de futebol era o evento que terminava as festividades do colégio e todos pararam pra ver aquela “batalha campal”. Nossos jogadores e os deles saíam de campo machucados e só sobrou eu no banco.

Percebi a situação e vendo como estava o jogo rezava para ninguém mais se machucar e não precisarem de mim. Até que mais um se machucou e o treinador desolado olhou pra mim e disse “é..entra Quinzinho”.

Entrei em campo e a bola sobrou pra mim. Naquele instante vi que a Ericka assistia ao jogo, me distraí e dois jogadores deles me jogaram no chão. O jogo foi parado e o juiz perguntou se eu estava bem. Respondi zonzo que sim e levantei.

A batalha continuava e eu fugia da bola como podia. Mas o problema era quando eles tinham faltas a favor. Por ser gordo me colocavam na barreira e tome pancada. Não era igual a de Marco Aurélio, mas doía.

O jogo corria no 0x0 e entrou no último minuto com tudo aparentando pênaltis.

Só que aí uma bola sobrou para o Marco Aurélio e ele deu um chute fortíssimo. A bola pegou em cheio no meu rosto e eu caí duro.

Alguns segundos depois acordei com o Marco e todo o time me olhando e perguntando se eu estava bem. Respondi que tirando o zumbido que provavelmente ouviria para o resto da vida sim. O time começou a gritar e me pegou colocando nos braços comemorando.

Eu não entendia nada e perguntei o que tinha ocorrido. Ericka se aproximou de mim e me deu um beijo no rosto dando parabéns e que tínhamos sido campeões.

Perguntei como e ela respondeu que a bola acertou meu rosto e desviou do goleiro entrando no gol.

Fiz o gol mais importante da minha vida, que decidiu campeonato no colégio e não vi.

Recebemos as medalhas e eu mesmo com o olho doendo estava orgulhoso do dia que consegui ser ídolo e notado no AME.

Eu contara que a ocasião do ping pong tinha sido minha única vitória esportiva, pois é, teve essa também só que essa não vi nada.

No dia seguinte cheguei com olho roxo no colégio e algumas pessoas me cumprimentavam. Fiquei muito orgulhoso, mas vi que entre meus amigos não havia entusiasmo, até estavam com semblantes tristes e reparei na ausência de Marco Aurélio.

Perguntei onde ele estava e Rodrigo me respondeu que a mãe de nosso amigo tinha morrido.

Começava um drama na vida do meu grande amigo Marco Aurélio.


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AGOSTO  
   

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