QUINZE ANOS: CAPÍTULO XI - OUTUBRO


Estava em uma ilha deserta perdido após naufrágio que sofrera. Já desenhara SOS na areia, fiz fogueira e desesperadamente pedia ajuda a barcos que passavam no horizonte, mas ninguém me dava atenção.

Estava praticamente sozinho na Ilha, a sorte era o praticamente..

Comigo também estava a Ericka, minha musa, o amor de minha vida, a minha Brooke Shields que também sobrevivera ao naufrágio.

Os dois sozinhos naquela Ilha eu confesso que não me esforçava muito para sairmos de lá enquanto Ericka desesperada tentava formular planos.

Construí uma casa com galhos de árvores e folhas. Pescava para nosso alimento e pegava côco para bebermos sua água e matar nossa sede.

Aos poucos me aproximava de Ericka e nas noites ficávamos em volta da fogueira. Eu falando besteiras e ela rindo. Seu sorriso era o mais lindo e cativante que eu já vira. Estava cada vez mais apaixonado.

O clima esquentava entre nós, eu sentia que finalmente naquela ilha não habitada onde nós dois éramos os únicos seres humanos eu teria alguma chance com minha amada. Naquele cenário paradisíaco um dia tomei coragem e chamei a Ericka.

Olhei nos seus olhos, passei a mão em seus cabelos e fui aproximando meus lábios aos seus.

Quando estava próximo, muito próximo de beijá-la minha mãe me chamou. Olhei para ela assustado e perguntei o que fazia naquela ilha.

Ela perguntou de qual ilha eu falava e abri os olhos. Pra variar era um sonho.

Mas ali a situação era pior, eu não iria ao colégio e sim para um enterro.

Nossa turma toda foi liberada das aulas e foi ao cemitério do Cacuia confortar o Marco no enterro de sua mãe. Deu pena de ver aquele cara sempre tão alegre, esperto, companheiro chorando e passando por aquela situação triste.

Consolávamos nosso querido amigo enquanto o padre rezava suas últimas preces de corpo presente. O Pai de Marco estranhamente não estava no cemitério.

O corpo foi enterrado e ao me despedir pedi que meu amigo não esquecesse que eu estava com ele e se precisasse era só me procurar.

A vida tinha seus contrastes na morte e no nascimento. Ao mesmo tempo em que enterrávamos a mãe de Marco Aurélio dois primos nasciam. Bruno, filho de minha tia Rosanne com meu tio Eduardo e Fabinho, filho de minha tia Rachel com meu tio Flávio.

Foi uma grande alegria naqueles tempos conturbados financeiramente e que minha avó viajava pelo Nordeste. Minha tia Rachel teve depressão pós parto e minha mãe cuidou do Fabinho enquanto ela se recuperava e assim criou grande amor pelo menino.

Fabinho que acabou virando meu afilhado.
 
A vida continuava. Minhas notas melhoravam e eu praticamente resolvera minha situação escolar até em Geometria faltando apenas Geografia que eu precisaria de oito para não ficar em recuperação.
As aulas de teatro com a professora Suely corriam a todo vapor. Ela era muito carinhosa e me incentivava muito. Graças a suas aulas de teatro eu conseguia começar a vencer minha notória timidez e me preparava pra peça que seria realizada no mês seguinte.

O Temporal continuava realizando suas partidas de futebol e era capaz de vencer clubes profissionais como a Portuguesa da Ilha em seu campo e perder no dia seguinte na praia pros meninos que trabalhavam na feira.

Eu continuava tentando aprender a andar de bicicleta tomando ainda meus tombos e me ralando. Mas minha mãe não me deixava desistir e aos poucos eu começava a dominar a “máquina” já conseguindo dar umas pedaladas sem cair.

A vida prosseguia, vida normal de um menino de quinze anos.

Uma noite tomei coragem e pedi dinheiro a minha mãe para sair. A grana era curta, mas ela me deu. Com toda coragem que arrumei não sei aonde fui sozinho ao Peixão.

Cheguei lá e o local estava cheio, com muito mais mulheres que o normal.

Eu fui ao balcão pedi uma cerveja, ganhei um guaraná e sentei em um canto.

Tentava arrumar coragem e chamar uma mulher para sentar comigo e assim conseguir garantir uns minutos de prazer quando uma cena me abismou.

Sentado com umas mulheres e uns homens gargalhando, falando alto e besteiras que eu nunca poderia imaginar estava uma figura conhecida minha.

Olhei bem e ri por dentro pensando “é ele mesmo”. Ele levantou e foi ao balcão pedir uma cerveja, não me fiz de rogado e fui atrás falando a pessoa..

“Pede uma pra mim também professor Martins”.

Sim o austero filhote de Hitler professor Martins, funcionário exemplar da Gestapo estava em um puteiro.

Ele olhou pra mim, engasgou e disse “Quinzinho?” só respondi que a cerveja podia ser de qualquer marca.

Voltei a minha mesa com a cerveja enquanto o professor voltou a sua mesa com os amigos e as meninas.

Ele não parava de olhar pra mim e eu ironicamente com o copo cheio levantei como se fizesse um brinde à ele e bebi tudo de uma vez só.

Assim como bebi de uma vez só cuspi tudo de cara também. O sabor era horrível e ali percebi que bebida alcóolica não era a minha. Fiquei só mais um pouco lá e fui embora decidindo deixar
o professor a vontade.

Na segunda tinha aula de Geometria logo no primeiro tempo e como milagre sua atitude mudou comigo parando de me perseguir e de me humilhar.

Nessa mesma manhã ele até me cumprimentou dizendo “Oi Quinzinho, como vai?”. Meus amigos entenderam nada e eu respondi apenas que ficamos amigos.

Marco Aurélio não apareceu naquele dia, nem no dia seguinte, nem na quarta começando a nos preocupar.

Na quinta chegamos à sala de aula decididos a ir até sua casa se ele não aparecesse, mas ele chegou. Atrasado, mas chegou.

Chegou com braço engessado e olho roxo para espanto de todos. Rodrigo perguntou o que acontecera e ele respondeu que caiu da escada. Gustavo comentou comigo que não acreditava achando que era coisa de seu pai.

Decidimos no fim de semana visitá-lo indo até o prédio que morava. Chegamos e batemos na porta quando notamos uma grande gritaria do lado de dentro com Marco pedindo para o pai parar.
Socávamos a porta mandando que abrissem até que Gustavo saiu e fui até um orelhão ligar para a polícia.

A polícia levou o pai de Marco para a delegacia e nosso amigo ao hospital para exames. Fomos junto e lá bateu a preocupação de como ficaria o Marco com a mãe morta e o pai preso mesmo que por pouco tempo, ele não tinha ninguém, nenhum familiar.

O médico liberou o Marco após alguns exames e perguntou por parentes deles.

Rapidamente respondi que era primo dele. O médico olhou para nós, Marco negro e eu branco e estranhou. Perguntei para ele qual era o problema.

Consegui levar Marco pra minha casa e expliquei para minha mãe a situação. Apesar das dificuldades financeiras minha mãe tinha um coração enorme e acolheu Marco em nossa casa. Assim ganhei companhia pra jogar vídeo game, bola na rua e bater papo.

Foi nessa época que surgiu mais forte a necessidade de me declarar para Ericka e Marco sabendo de meu amor por ela era quem mais me pressionava por isso, querendo evitar que eu perdesse para o Anderson.

Anderson era um menino da nossa sala que por total distração minha eu nunca percebera que não falava com a Ericka, se eu não sabia que não se falavam menos ainda o motivo, mas descobri.

Eles foram namorados no ano anterior e por algum motivo o namoro não dera certo e eles pararam de se falar. Só que ao saber dessa história o “alerta vermelho” começou a tocar dentro de mim.

Porque os dois aos poucos voltavam a se falar e isso soava a mim como ameaça. Eu precisava fazer algo.

Aumentei o meu tom de ataque. Sempre que pudia elogiava a Ericka e de brincadeira falava que gostava dela. Sempre falei verdades brincando, é a forma que mostro o que sinto.

Era sempre prestativo. Uma vez ela tinha que abrir um pote e não conseguia, me pediu ajuda. Eu rapidamente peguei o pote e nada de conseguir. Imaginava que o McGyver conseguia montar uma bomba nuclear com um fósforo, um sabonete, um absorvete e uma garrafa de cachaça.

Não conseguia abrir até que o Anderson pediu o pote e rapidamente abriu ganhando o agradecimento de Ericka e meu ódio.

Naquela noite sonhei que era o Robocop, encurralava o Anderson em um beco e lhe atirava um monte de potes.

Graças a Ericka desenvolvi meu lado artístico. Para ela escrevi minha primeira música. Nunca mostrei nem a ela nem a ninguém e nem vou por ser ruim demais.

E para ela também escrevia historinhas. Naquele ano já escrevera um pequeno roteiro chamado “anos 60” que mostrava as histórias de turmas rivais daquela época que fez certo sucesso na turma.

Aproveitando que parecia que eu sabia escrever criei um personagem chamado “Sir Aloisius”. Um pobre aventureiro do século XVI que amava a princesa do condado chamada “Divina”, logicamente essa princesa era a Ericka.

Criei histórias de tentativas do Sir Aloisius em salvar a princesa Divina de problemas e no fim ele sempre se dava mal com a princesa sendo salva por Sir Ander Sen, o Anderson.

Fiz umas três historinhas do herói fracassado e dei pra ela. As histórias fizeram grande sucesso na turma e a Ericka adorava.

Já estava na cara de todos que eu gostava dela, eu tinha certeza que ela já sabia e o fato de não me “cortar” dava esperanças.

Uma manhã estava tão feliz que ao sair do colégio debaixo de chuva abri meu guarda-chuva e comecei a dançar agarrado a um poste. Eu era um doido cantando na chuva.

Marco que já me pressionava a me declarar ganhou apoio de Jorge Guilherme que naquele dia fora visitar nossa casa. O Jorge como sempre agiu como irmão mais velho e disse que concordava com Marco e eu tinha que me declarar.

Relutei um pouco, mas acabei cedendo. Eles estavam certos, estava na hora de contar.

De noite escrevi uma carta contando tudo. Nela declarei todo meu amor, desde quando ele existia, tudo que eu sentia e meus sonhos com ela. Li e reli diversas vezes a carta e achei que estava boa.
Ao chegar à sala de aula vi suas coisas em uma mesa, ela não estava. Enchi-me de coragem e coloquei a carta dentro de seu estojo sem que ninguém percebesse.

Sentei em meu lugar gelado, pálido. Luis Felipe preocupado de vomitar de novo em cima dele perguntou se eu estava bem e respondi que sim.

Pensei em levantar e tirar a cartinha de dentro do estojo quando ela entrou na sala. Não tinha mais jeito naquele dia ela saberia de tudo.

Eu não tirava os olhos dela. Ericka sentou-se, abriu o estojo, viu a carta e começou a ler. Nesse momento meu coração chegou a parar.

Leu a tudo, guardou a carta e continuou prestando atenção na aula sem comentar nada com ninguém. Mesmo tendo apenas quinze anos eu tinha certeza que ali minha pressão estava altíssima.

No recreio fui para o lado de fora e estava quieto. Rodrigo perguntava o que eu tinha e eu respondia que era nada. George rindo dizia que eu estava com cara de apaixonado.

Sim, eu estava com a cara, mas não só com a cara.

Decidi voltar mais cedo para a sala de aula tenso com aquela situação e encontrei o Anderson na sala. Cumprimentei e fui para a minha mesa.

E nela encontrei uma carta.

Era da Ericka, só podia ser dela. Num misto de tensão e ansiedade sentei no meu lugar e abri a carta pra ler..abri e li.

Na carta Ericka dizia que eu era um garoto maravilhoso, inteligente, especial, que gostava muito de mim, mas..

..só me via como amigo.

De novo parecia que meu coração parava. O chão sumiu debaixo de mim, meu sonho acabava ali. A Ericka não gostava de mim, só como amigo.

Anderson notou que algo acontecera e perguntou se eu estava bem, respondi que sim e dei parabéns a ele, o garoto ficou seu entender o motivo da parabenização, mas eu sabia bem.

Aos poucos a turma voltava do recreio entre eles a Ericka que me olhou e eu desviei meu olhar. As aulas continuaram, mas eu não conseguia prestar atenção em nada só que meu sonho acabara.
Notei que as vezes ela me olhava, mas era um olhar que me incomodava, misto de piedade com preocupação e isso não é coisa que queremos da mulher que amamos.

No fim todos saíam do colégio e Ericka me puxou perguntando se estava tudo bem comigo. Dei um sorriso tentando esconder nele toda minha tristeza e respondi que sim indo embora. Meus amigos foram para o ponto de ônibus e passei direto.

Marco perguntou aonde eu ia e respondi que queria ir embora andando, estava gordo e precisava emagrecer.

Evidente que o motivo não era aquele.

A vontade que tinha era de botar um chapéu coco, bigodinho, bengala e andar girando a mesma como o Chaplin que fazia rir quando Carlitos queria chorar.

Andei bastante sem conseguir pensar em nada. Cheguei em casa com minha mãe dizendo que estava preocupada e falando que o almoço estava pronto. Agradeci e disse que estava sem fome indo direto pro quarto para espanto dela e de Marco.

Entrei no meu quarto, tranquei a porta, tirei o tênis e deitei na cama. Finalmente sozinho podia fazer o que eu queria desde que recebi a carta.

Chorei, chorei muito com aquela carta na mão lendo e relendo.

Pior que nem tinha como ficar com raiva dela Ericka foi muito carinhosa na carta. Mas eu não conseguia parar de chorar, um dos choros mais compulsivos de minha vida.

Choro que se repetiu muitas vezes na minha vida e se repete até hoje toda vez que meu coração sofre por amor. Não adianta, seja aquele pobre coração de quinze anos que eu tinha ou o de hoje já escaldado a dor é a mesma.

A pior dor que existe é a de amor. É uma dor que dá desespero, que sufoca, que rasga nossas entranhas e parece que vai nos matar.

Era essa dor que eu sentia pela Ericka, essa dor que senti por cada menina e depois mulher que passou por minha vida e me despertou amor.

Mas não me arrependo de ter amado nenhuma delas.

Nunca me arrependi nem me arrependerei de amar.


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