AS MULHERES DE ADÃO: CAPÍTULO I - VELÓRIO


Pois é rapaz o livro já começa com um velório, mas fazer o que né? A morte é uma das poucas certezas da vida assim como você não inventará um programa de computadores que lhe transformará num nerd bilionário nem vai comer a atriz da novela das nove.

Rio de janeiro, cemitério do Caju cheio, afinal o morto é uma personalidade. Tinha um programa de entrevistas e debates na rede mundo, a principal emissora de TV do país além de ser um famoso escritor e ter programa de rádio.

Muitas coroas de flores, pessoas chorando. Chamava atenção o tanto de choro e a quantidade de mulheres que choravam. Os comentários no cemitério se dividiam entre “tadinho, tão jovem...” e “puta que pariu, ele comeu tudo isso de mulher?”.

É, comi sim..

..ah, esqueci de contar para vocês, era o meu velório.

Lá estava eu todo bonitão de terno e algodões nas narinas deitado com meus olhos fechados e um sorriso safado na boca que chamava atenção de todos. Era o auge do verão no Rio de Janeiro, um calor filho da puta onde parecia que tinha um Sol pra cada um. As pessoas se dividiam entre lágrimas e suor.

Menos eu que estava geladinho no caixão já que passei minhas últimas horas em um freezer, morrer tem suas vantagens.

Realmente, quem comentava que morri jovem tinha certa razão.

Parei dentro daquele caixão com apenas trinta e cinco anos. Uma vida inteira pela frente, mas eu sempre ouvi que iria morrer novo, principalmente pelo estilo de vida que eu tinha.

Eu bebia socialmente, não fumava, nunca usei drogas e até que gostava de dar uma corridinha na praia. Mas tinha um vício e esse vício sempre fez meus amigos falarem que me levariam pra cova.

Eu era viciado em mulher.

Sempre fui um apaixonado pelas mulheres, desde minha tenra idade e isso passou de geração em geração na minha família.

Consultando nossa árvore genealógica descobri que o primeiro membro da minha família era um “homem de neanderthal”.

No tempo das cavernas meu primeiro familiar fez questão de esculpir o porrete mais bonito e colocava discos de Julio Iglesias (sim, ele é desse tempo) na vitrola em sua caverna o que atraía as primeiras mulheres do planeta.

Uma vez ele comeu a mulher de outro da tribo e teve que sair correndo para não morrer, correu tanto que foi o primeiro ser vivo a atravessar o estreito de Bering.

Tive membro da minha família que entrou na arca de Noé sem ninguém perceber por não ter um par e que dentro da arca transou com mulher de outro. Foi jogado nas águas, mas sobreviveu graças a um galho caído. Ficou em pé no galho e inventou o surf.

Outro membro de nossa família desconhecido na história foi imperador de Roma, o único heterossexual. Assim como Nero  também colocou fogo na cidade. Mas ele foi sem querer já que incendiou a cidade ao inventar o sadomasoquismo e passar vela pingando nas costas de uma parceira.

O parente egípcio comeu Cleópatra. Mas nesse caso não houve mérito nenhum porque todo mundo comeu. O dos tempos de Cristo fez uma ceia com doze amigos e várias mulheres. Aprontou tanto que foi julgado por Pilatos. Quando este disse que lavaria suas mãos meu parente bêbado vomitou nelas e foi crucificado.

No tempo das grandes navegações tive um parente que traçou as mulheres de todos os navegadores. Enquanto eles descobriam novas terras meu parente descobria novos prazeres. Conseguiu ser expulso de Portugal e Espanha.

Na revolução francesa um parou na guilhotina depois que usou um brioche pra prazeres com uma dama da sociedade esposa de um dos comandados de Napoleão.

E assim minha família foi indo até chegar nessa situação em que estou gelado num caixão.

Como eu disse antes de escrever essas bobagens eu sempre fui um apaixonado pelas mulheres. Nunca as usei, nunca as ofendi, humilhei, meu único erro foi amá-las demais e ter um coração volúvel. Sempre fui do tipo romântico que mandava flores, chorava por amor, escrevia músicas românticas e levava pra jantar ao som de violinos e luz de velas.

Só que por ser apaixonado pelas mulheres eu nunca consegui ser de uma só. Eu sempre amei o flerte, a conquista, a sedução. A Bia, mulher que mais me marcou dizia que eu era sedutor. Mas nunca concordei com ela, me achava sem graça, papo normal e que fazia algumas piadinhas bobas.  
Mas amigo, a verdade é que as coisas acontecem é na simplicidade. Tudo que as mulheres querem é alguém que lhes dê atenção e eu sempre fui bom nisso.

Tai o segredo.

Por falar em Bia ela estava lá no velório. Era a mais elegante das mulheres presentes. Não chorava, me olhava triste, mas sem derramar uma lágrima. Vestida de noiva, acariciava meu cabelo e falava nada. Não sei o que pensava. Se pensava “justo agora filho da puta, quando casaríamos e seríamos felizes?” ou então “Seu desgraçado de onde surgiram tantas mulheres chorando assim?”.

As vezes uma passava esbarrando por ela e se deitava sobre o caixão chorando desesperada e gritando como eu pude fazer isso e que queria ser enterrada junto. Molhava-me todo, se eu estivesse vivo ficaria puto, mas eu continuava ali deitado com cara de bunda e sorrindo.

Uma mosca pousou na minha testa e Bia bateu com força pra espantar. Se eu tivesse vivo teria doído e acho que a intenção dela era que doesse mesmo.

O médico que me atendeu era meu tio Freitoca, ele chegou ao velório e as pessoas perguntavam o que tinha ocorrido. Ele respondia que eu tive um “piripaque”. Quando quem perguntou olhava pra ele com cara de quem não entendeu ele respondia “piripaque, siricutico, morreu porque era um fresco!!”.

Falava isso e dava uma golada na garrafa de cachaça que estava em sua mão. Meu tio de porre no meu velório e nem ligando pra minha memória contando que morri porque era fresco.

Opinião compartilhada por meu avô, seu Epaminondas que chegou ao mesmo com minha avó dona Nicete. Meu avô chegou próximo ao meu caixão e ficou me encarando enquanto minha avó chorava.
Depois de um tempo me olhando meu avô virou pra minha avó e perguntou “esse menino tá rindo do quê?”. Minha avó enxugou as lágrimas, olhou pro meu avô e disse “como assim rindo Epaminondas, o menino tá morto, morto não ri”.

Ele voltou a me olhar sério e falou novamente pra minha avó “Nicete esse menino tá rindo, ele tá mangando da gente, olhe só, deixou a menina aqui vestida de noiva, nem deu conta dela na noite de núpcias, morreu como frouxo e agora tá rindo?”.

Minha avó pedia pra ele se acalmar enquanto meu avô continuava “Olha Nicete, não é porque esse menino tá morto que pode rir da minha cara, vou pegar a chinela e dar nele!!”

Meu tio Freitoca chegou perto dele e disse “pai, ele teve siricutico”, meu avô respondeu “e você tá bêbado, sai daqui que a chinela vai cantar pra você também”.

Meu avô é um daqueles paraibanos arretado que chegou aos oitenta anos se orgulhando de nunca ter falhado na cama. O Homem teve quinze filhos e conta a lenda que até hoje procura minha avó pra fazer “bubiça”.

Logo depois entraram meus pais no velório. Os dois com incensos nas mãos dançavam e cantavam “my sweet lord” de George Harrison.

Meu pai se chama Epaminondas Junior, mais conhecido como Juninho Frota. Um dos mais importantes produtores musicais do país.

Deixou a Paraíba no começo da vida adulta e veio pro Rio de Janeiro ganhar a vida e ganhou!! Conheceu muita gente importante da MPB, viveu em comunidades hippies, compôs com artistas famosos, abriu discoteca no Rio no auge da era disco, produziu filmes de pornochanchada e nessa época conheceu minha mãe. Hoje meu pai é empresário musical e trás grandes bandas e artistas internacionais pro Brasil.

Minha mãe se chama Paula, mas sempre foi conhecida como Pauloca. Conheceu meu pai quando era musa da pornochanchada, a principal estrela dos filmes do meu pai. Antes de virar atriz era chacrete, conhecida pelo Chacrinha como Pauloca Bazucão.

Quando casou com meu pai foram morar numa comunidade hippie e lá eu nasci e depois minha irmã Eva. Na época disco meu pai montou um grupo musical para minha mãe chamado “as neuróticas”.
O grupo fez um grande sucesso, mas um dia acabou e minha mãe fez faculdade e se formou em psicologia. Especializou-se em sexo e hoje tem quadro num programa matutino sobre mulheres em que fala de sexualidade e também joga tarô.

Os anos setenta acabaram, mas meus pais não saíram deles. Esse fato explica eles entrarem com incensos cantando “my sweet lord” confirmando mais um momento ridículo de minha vida e começo de morte.

Meu avô perguntava que “papagaiada” era aquela e minha mãe explicava que a vida terrena era só uma passagem e que continuávamos vivos com o grande Pai em um lugar cheio de flores, paz, amor e Bob Marley cantando “is this Love”.

Meu avô ainda tentava entender o que Bob Marley tinha a ver com minha morte quando meu pai entusiasmado gritou “bicho, ele tá rindo!!”.

Meu avô virou pra minha avó e falou “viu Nicete, não fui o único que achei isso”. Meu pai com sorriso e óculos escuros gritava “é isso!! Isso é a vida !! A beleza de viver!! Ele no caixão rindo, aposto que fumou um erva né filhão??”.

Falou isso e colocou uma trouxinha de maconha na minha mão e disse “vai filhão, queima um no paraíso”.

Meu avô perguntou o que era aquilo que botaram em minha mão e Eva, minha irmã que chegou naquele momento pra salvar a situação disse que eram as “cinzas da vida”, coisas da religião que eu seguia.

Eva era a mais centrada da família e a mais famosa também. Chegou com um batalhão de seguranças e com repórteres, fotógrafos e cinegrafistas atrás dela.

 Minha irmã era apresentadora de programa infantil de grande sucesso. Nunca fui de ver o programa dela porque era muito estranho ver aquela mulher séria, centrada e que até onde eu sabia não gostava de crianças com vestidinho, minissaia falando na TV que adorava os “fofuxos e fofuxas”.

Minha irmã era linda e por isso atraía a cobiça masculina. Enquanto as crianças brincavam e dançavam com seus CDs e DVDs os pais babavam nas revistas masculinas que ela foi capa.
Só que minha irmã tinha um segredo. Honrando a tradição da família adorava mulheres e enquanto ela estava ao lado do meu caixão me dando um beijo na testa no outro lado da sala estava Kátia Louge, famosa cantora de MPB e namorada de Eva.

As pessoas iam sabendo de minha morte e chegando ao velório. Na maioria mulheres, alguns amigos também claro, porque eu tinha amigos homens, mas a maioria mulheres.

Bia demonstrando todo seu amor por mim não saía do meu lado. E ela estava linda vestida de noiva, ah..pena que vi por tão pouco tempo.

Eu estava mesmo disposto a ter uma vida com a Bia, sossegar, crescer na vida, casar, ter filhos com ela, envelhecer a seu lado, comprar um sítio e nele ter os almoços domingo com filhos, netos, a família toda reunida.

Queria passar meus dias deitado com ela numa rede, a Bia encostada com a cabeça no meu peito e nós dois rindo das nossas histórias. Histórias da nossa vida, idas e vindas, fins e recomeços, momentos que achávamos que estava tudo perdido e voltamos.

E um dia fazendo amor com ela na hora do orgasmo deitar sobre ela e morrer. Morrer em seus braços, morrer colado ao corpo dela. Nesse dia eu seria dela em definitivo, pra sempre e ela minha. Nosso caso de amor teria o desfecho perfeito.

Mas não, eu tinha que ter o tal “siricutico” que meu tio alardeava. Por sinal ele agora colocou a garrafa de cachaça sobre meu caixão e discursa sobre vida, morte e Bob Marley. Todos lhe escutam menos Bia que não tira os olhos de mim. Tão linda, tão jovem..que pena..

Nesse momento meu pai bate palma e pede que entrem os amigos da passagem. Nisso entram vários carecas com roupas esquisitas, pandeiros nas mãos cantando animando o ambiente e sufocando o choro das mulheres.

E Bia olhando pra mim e acariciando meu cabelo.

Meu nome é Adão, Adão Nascimento, essa zona que descrevi é meu velório, eu morri..
..mas pra vocês minha história só está começando.


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